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Iroqueses: a beleza da aquarela a serviço da História (Patrick Prugne, 2025, Taverna do Rei)


Você sabe o que realmente desencadeou o confronto entre franceses e iroqueses no início do século XVII? A resposta está em um episódio decisivo e violento que marcou o início da presença europeia organizada na América do Norte, e que ganha vida nas páginas de Iroqueses, HQ do francês Patrick Prugne publicada no Brasil pela Editora Taverna do Rei.

Ambientada em 1609, a obra recria com riqueza de detalhes a jornada do explorador Samuel de Champlain pelos territórios da Nova França, colônia francesa que ocupava uma vasta região da América do Norte, abrangendo boa parte do que hoje corresponde ao Canadá e ao nordeste dos Estados Unidos. É nessa paisagem selvagem e estratégica que se encontra o Lago Champlain (batizado em homenagem a Samuel, que também era cartógrafo e mapeou profundamente a região), uma faixa de água que atualmente separa os estados de Nova York e Vermont, nos EUA, e se estende até o sul da província de Quebec, no Canadá.

Naquele período, o continente era palco de intensas disputas entre franceses, ingleses e holandeses, que competiam pelo controle de territórios e pelo lucrativo comércio de peles. Para avançar em seus objetivos, os europeus buscavam alianças com diferentes povos indígenas, o que frequentemente os colocava em rota de colisão com tribos rivais.

É nesse contexto que se dá o primeiro confronto armado entre os franceses e os iroqueses, especialmente os mohawks, uma das nações da poderosa Confederação Iroquesa. Essa aliança política e militar era composta originalmente por cinco povos indígenas do nordeste da América do Norte: mohawks, oneidas, onondagas, cayugas e senecas. Mais tarde, no século XVIII, os tuscaroras se juntariam à confederação, formando o que ficou conhecido como as Seis Nações Iroquesas.

Extremamente organizados, os iroqueses formavam uma das sociedades indígenas mais estruturadas da América do Norte, com um sistema político sofisticado baseado em conselhos, tomadas de decisão por consenso e uma forte participação das mulheres na escolha dos líderes. Eram também guerreiros formidáveis e controlavam vastas áreas, o que os colocava em confronto direto com tribos vizinhas — e, após 1609, com os colonos franceses. Na história retratada por Prugne, Champlain, aliado aos hurões, algonquinos e montagnais — inimigos tradicionais dos iroqueses — participa de uma emboscada que muda o rumo da história: ao usar armas de fogo contra os mohawks (que não as conheciam), os franceses introduzem um novo fator de desequilíbrio na guerra indígena, iniciando um conflito duradouro que moldaria o destino da colonização na região.

O grande mérito de Iroqueses está no apuro histórico e visual. Prugne, como de costume, baseia-se em fontes primárias, incluindo os diários do próprio Champlain, para construir um painel vívido, respeitoso e profundamente detalhado das culturas indígenas e da tensão entre diplomacia e violência. Sua escolha por trabalhar com aquarelas amplia ainda mais o impacto da narrativa: cada página é uma pintura delicada, com composições que capturam tanto a beleza quanto a brutalidade das florestas norte-americanas do século XVII. A edição da Taverna do Rei valoriza ainda mais esse aspecto artístico. Com formato grande (31x23 cm) e papel couchê de alta gramatura, o álbum transforma-se em um verdadeiro objeto de arte, ideal para apreciar os detalhes da arte de Prugne em sua plenitude.

No entanto, Iroqueses pode não ser tão acessível ao leitor comum. A trama, embora bela, é mais contemplativa e exige certo conhecimento prévio sobre o contexto histórico para ser plenamente compreendida. A falta de uma introdução mais detalhada ou material de apoio pode tornar a leitura menos envolvente para quem não está familiarizado com as intricadas relações entre franceses e nações indígenas naquele momento de formação das colônias europeias. Nesse sentido, os álbuns anteriores de Prugne publicados pela Taverna do Rei — Pocahontas e Poulbots — se mostram mais universais e emocionalmente envolventes, especialmente em termos de roteiro. Ainda que Iroqueses mantenha o nível artístico elevado característico do autor, seu enredo exige mais paciência e conhecimento do leitor para atingir o mesmo impacto narrativo.

Iroqueses é uma obra deslumbrante e historicamente valiosa, que encontra seu maior público entre os apreciadores da História e da arte sequencial refinada. Para quem busca beleza visual e reconstrução histórica rigorosa, é uma leitura imperdível. Para quem prefere envolvimento emocional imediato, Pocahontas e Poulbots ainda são as melhores portas de entrada para o universo de Patrick Prugne.


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