Ignorado pela crítica, mal compreendido pelos fãs e lançado em um momento em que o rock mudava de pele, Your Filthy Little Mouth (1994) pode ser considerado o disco mais injustiçado da carreira de David Lee Roth. Mas também é, curiosamente, o mais livre, experimental e ousado que o vocalista já lançou — uma obra que rompe com as expectativas e mostra um artista inquieto, disposto a ir muito além do hard rock que o consagrou.
O quarto álbum solo de David Lee Roth foi um divisor de águas em sua discografia, ainda que o público e a crítica da época não estivessem preparados para entendê-lo. Esqueça o hard rock festivo de Eat 'Em and Smile (1986) ou o excesso calculado de Skyscraper (1988). Aqui, o eterno frontman do Van Halen mergulha em um caldeirão de estilos com liberdade total, e o resultado é um disco surpreendente, diverso, muitas vezes subestimado, e ainda hoje injustamente ignorado.
Produzido por Nile Rodgers, lenda do funk e da disco music (guitarrista do Chic, parceiro de David Bowie, Madonna, Duran Duran, Daft Punk e tantos outros), Your Filthy Little Mouth está mais interessado em groove, swing e nuance do que em riffs explosivos e solos vertiginosos. Rodgers imprime sua assinatura logo nas primeiras faixas: há elementos de jazz, blues, country, reggae, R&B, soul e até boogie woogie ao longo do disco, e tudo isso temperado com a persona excêntrica e teatral de Roth, que aqui atua mais como um showman de cabaré moderno do que como um vocalista de arena.
Esse ecletismo, aliás, acabou sendo um dos motivos do fracasso comercial do álbum. Lançado em plena ascensão do grunge e do rock alternativo, Your Filthy Little Mouth não entregava a agressividade crua que o mainstream pedia, e tampouco satisfazia os fãs de Van Halen que esperavam mais uma rodada de refrões memoráveis e solos pirotécnicos. O álbum caiu no limbo, mas envelheceu de forma curiosamente digna.
Destaques? Muitos. A abertura com “She’s My Machine” é uma das poucas concessões ao hard rock, com um riff afiado e pegada direta. “Experience” brinca com o jazz e a bossa nova, “Big Train” contagia com energia e um refrão grudento, enquanto “Sunburn” carrega uma melancolia blueseira inesperada. A faixa-título é suja, elegante e cínica, tudo ao mesmo tempo. E até espaço para “Night Life”, versão para uma canção de Willie Nelson, ícone do country.
Quando comparado aos clássicos de Roth com o Van Halen — como 1984 (1984), Women and Children First (1980) ou Fair Warning (1981) —, o contraste é nítido. Nestes álbuns, a fórmula era: guitarras de Eddie Van Halen, carisma de Dave e energia de banda em alta voltagem. Em Your Filthy Little Mouth, a proposta é oposta: a guitarra não é protagonista, o foco está nos arranjos, no clima, nas variações. Já em relação à sua própria carreira solo, o álbum destoa ainda mais: não há aqui o virtuosismo desenfreado de Steve Vai nem o brilho visual típico dos anos 1980.
Your Filthy Little Mouth foi um ponto fora da curva, mas também uma declaração de independência artística. Em vez de tentar repetir fórmulas do passado, David Lee Roth usou esse disco para provar que sua criatividade ia além dos limites do rock de arena. Com a produção refinada de Nile Rodgers, ele abriu espaço para explorar territórios novos — talvez longe dos holofotes, mas artisticamente corajosos.
Hoje, Your Filthy Little Mouth é um daqueles álbuns que merecem a redescoberta. Um trabalho arriscado, imperfeito e autêntico, que mostra um David Lee Roth inquieto, irreverente e ainda disposto a desafiar expectativas. O tempo pode não tê-lo consagrado como clássico, mas certamente o absolveu como arte.
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