E se a maior banda do mundo decidisse, no auge da fama, sabotar suas próprias fórmulas de sucesso? Foi exatamente isso que o U2 fez com Zooropa, lançado em julho de 1993. Em vez de seguir o caminho previsível do rock de arena que os consagrou nos anos 1980 — e que haviam reconfigurado com maestria em Achtung Baby (1991) —, a banda irlandesa resolveu mergulhar ainda mais fundo em experimentações eletrônicas, atmosferas surreais e uma crítica mordaz ao mundo pós-moderno. O resultado é um dos álbuns mais inovadores e corajosos do U2 — e também um dos mais incompreendidos.
Gravado durante os intervalos da gigantesca turnê Zoo TV, Zooropa surgiu quase como uma extensão estética daquele espetáculo audiovisual caótico, recheado de telas, slogans e sobrecarga sensorial. É um disco que soa como se tivesse sido transmitido por uma televisão fora de sintonia, captando fragmentos de cultura pop, política, consumismo e desilusão europeia do pós-Guerra Fria.
As influências vão do krautrock ao techno, passando pela ambient music de Brian Eno (que co-produz o álbum) e pelas colagens eletrônicas que flertavam com o que, mais tarde, seria rotulado como trip hop. The Edge e Adam Clayton usam e abusam de texturas processadas, enquanto Larry Mullen Jr. intercala batidas acústicas e programadas. E Bono, longe de qualquer zona de conforto vocal, incorpora personagens, modula vozes e encarna um narrador fragmentado, por vezes cínico, por vezes melancólico.
Entre os destaques, a faixa-título “Zooropa” abre o disco com um mantra eletrônico hipnótico e perturbador. “Stay (Faraway, So Close!)” é o momento mais emocional, uma balada lindamente deslocada e agridoce. Já “Numb”, cantada por The Edge com voz robótica, soa como um manifesto contra a alienação — ou talvez um resumo perfeito dela. E “The Wanderer”, com vocal de Johnny Cash, encerra o disco de forma insólita e poética, misturando country, sintetizadores e apocalipse.
O legado de Zooropa é ambíguo, como todo grande experimento. Comercialmente, foi ofuscado pelo peso de seu antecessor – mesmo assim, vendeu mais de 7 milhões de cópias em todo o mundo. Muitos fãs o viram como um desvio incompreensível. Mas, com o tempo, ganhou status cult entre críticos e ouvintes mais aventureiros. É um disco que desafia expectativas, quebra padrões e ainda soa incrivelmente atual ao refletir a ansiedade tecnológica e a saturação de informações do mundo contemporâneo.
Zooropa não é um álbum fácil. Não é feito para tocar no estádio. É um reflexo distorcido no espelho de uma Europa em transição, e de uma banda que, ao invés de repetir fórmulas, escolheu desbravar o desconhecido. E, justamente por isso, é um dos trabalhos mais visionários do U2.
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