E se a vida atrás das grades fosse tão meticulosa, organizada e ritualizada que chegasse a parecer mais um mosteiro do que um presídio? É exatamente essa sensação que Na Prisão, de Kazuichi Hanawa, provoca. Longe dos estereótipos de violência, rebeliões e brutalidade que permeiam representações convencionais do cárcere, a obra se apresenta como um relato quase clínico — e profundamente humano — da rotina em uma prisão japonesa.
Publicado originalmente no início dos anos 2000 e agora republicado no Brasil pela editora Comix Zone, Na Prisão nasce de uma experiência real: Hanawa passou três anos detido por porte ilegal de armas, e transformou sua vivência em um mangá que funciona como uma espécie de documentário minucioso sobre o sistema carcerário do Japão. Não há aqui tramas de fuga ou grandes reviravoltas: o interesse está no detalhe — a forma como se come, como se toma banho, como se dobra a roupa de cama, como se caminha pelos corredores.
As influências de Hanawa passam pelo realismo observacional e pela tradição japonesa de registrar o cotidiano com precisão quase etnográfica. A narrativa, fragmentada em pequenos capítulos, lembra diários ou cadernos de campo, enquanto a arte em preto e branco é limpa, precisa e deliberadamente sem excessos dramáticos, reforçando o caráter objetivo do relato.
O impacto de Na Prisão está justamente na sua recusa em julgar ou sensacionalizar. Hanawa não busca vitimizar nem demonizar: ele apenas observa. Ao mesmo tempo, a leitura provoca reflexões inevitáveis sobre disciplina, isolamento, dignidade e a forma como uma sociedade lida com a punição.Mais de duas décadas após seu lançamento, Na Prisão segue apresentando uma abordagem singular. Ela não apenas oferece um raro vislumbre do cotidiano prisional japonês, mas também questiona nossos próprios preconceitos sobre o que significa estar preso — e sobre a tênue linha entre controle e anulação da individualidade.
A edição da Comix Zone vem com sobrecapa, marcador de páginas e posfácio, com 240 páginas impressas em papel pólen e tradução de Drik Sada.
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