Quando se fala em evolução artística, poucos exemplos são tão claros quanto o que o Rush viveu entre 1976 e 1977. Depois de conquistar o público com 2112, álbum que salvou a banda do fracasso comercial e abriu espaço para a ousadia, o trio canadense decidiu expandir ainda mais seus horizontes. O resultado foi A Farewell to Kings, lançado em 29 de agosto de 1977, um trabalho que mistura peso, virtuosismo e experimentação de forma ousada e refinada.
Gravado no Rockfield Studios, no interior do País de Gales, o disco marca o início de uma fase em que o Rush abraçou de vez a sonoridade progressiva. As influências de Yes e Genesis são claras, mas filtradas pela energia do hard rock e pela pegada inconfundível de Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart. O uso de sintetizadores, instrumentos de percussão incomuns e arranjos elaborados demonstrava uma ambição que colocava o grupo além do rótulo de “power trio de rock pesado”.
A faixa-título abre o álbum com clima medieval, violões e teclados, antes de explodir em riffs cortantes e uma performance vigorosa de Lifeson. Na sequência, “Xanadu” entrega um dos momentos mais emblemáticos da carreira do Rush: onze minutos que transitam entre atmosferas etéreas, construções épicas e passagens intrincadas, consolidando o talento narrativo de Neil Peart. Abrindo o lado B, a curta e direta “Closer to the Heart” virou clássico imediato e até hoje é uma das músicas mais populares do grupo. Há espaço ainda para ousadias como “Cinderella Man”, com groove contagiante, e “Cygnus X-1 Book I: The Voyage”, uma das primeiras incursões do Rush em sagas conceituais de ficção científica, que seria concluída no álbum seguinte, Hemispheres (1978).
O disco mostrou que era possível unir peso, complexidade e apelo popular em um mesmo trabalho, sem abrir mão da identidade. Ele preparou terreno para a fase progressiva mais ambiciosa do Rush, influenciou incontáveis bandas de metal progressivo e consolidou o trio como referência absoluta de virtuosismo e inventividade.
Quase 50 anos depois, o álbum segue soando fresco, desafiador e cheio de vida — prova de que, em 1977, o Rush não estava apenas acompanhando seu tempo, mas já projetando o futuro.
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