Dia do Julgamento: uma das histórias mais insanas de Juiz Dredd (Garth Ennis, Carlos Ezquerra, 2023, Mythos Editora)
Nos anos 1990, o universo de Juiz Dredd passava por um período de transição. Criado em 1977 por John Wagner e Carlos Ezquerra para a lendária editora inglesa 2000 AD, Dredd se consolidou como um dos maiores ícones dos quadrinhos britânicos. Mas a década seguinte trouxe uma geração nova de roteiristas que cresceu lendo essas histórias e agora assumia o comando. Entre eles estava Garth Ennis, um irlandês em ascensão que logo se tornaria conhecido por trabalhos como Preacher e The Boys.
Dia do Julgamento, publicado em 1992, tem como ponto de partida a volta de Sabbat, um necromago vindo do futuro que decide provar seu poder invocando hordas de mortos-vivos para tomar a Terra. A ameaça é tão absurda que obriga Dredd a unir forças com Johnny Alpha, protagonista de Strontium Dog, além de envolver diferentes blocos urbanos espalhados pelo planeta.
A influência do cinema de terror e dos filmes de zumbi é clara – Ennis sempre foi fã assumido de George Romero, e isso se traduz aqui no clima de apocalipse crescente, onde a cada página mais cadáveres se levantam para marchar contra os vivos. Ao mesmo tempo, a estrutura segue a lógica dos épicos de guerra, com batalhas em larga escala, decisões estratégicas e a sensação de que nada está realmente sob controle. O roteiro tem ritmo acelerado, mas também carrega algumas das marcas que acompanhariam Ennis em boa parte da carreira: a brutalidade gráfica, o humor negro e o olhar cínico para figuras de autoridade. Não é um trabalho tão afiado quanto Preacher ou Hitman, mas já deixava claro o estilo de escrita que o colocaria entre os nomes mais importantes dos quadrinhos.
A arte de Carlos Ezquerra é outro destaque. Cofundador do personagem, ele entrega páginas que equilibram dinamismo e caos. Os zumbis, com seus traços grotescos, reforçam a atmosfera de podridão que toma conta da narrativa. Ezquerra nunca buscou o detalhismo realista de alguns colegas da época, mas sua linha expressiva dá ao enredo um peso visceral que combina perfeitamente com o tom de Ennis.
Dia do Julgamento é lembrado como um dos maiores crossovers da 2000 AD. Não é a história definitiva de Dredd, nem pretende ser, mas ampliou os limites do universo ao trazer personagens de diferentes séries para o mesmo palco. Para Ennis, foi uma vitrine que o consolidou como herdeiro natural da tradição britânica de quadrinhos, antes de conquistar o mercado americano. Para Ezquerra, foi mais uma prova de sua capacidade de transformar absurdos em imagens icônicas.
Lida hoje, a saga funciona quase como um filme B em forma de HQ: exagerada, sangrenta, cheia de ação e com um subtexto crítico escondido entre as explosões. Não é a melhor porta de entrada para quem nunca leu Juiz Dredd, mas é um prato cheio para quem já conhece Mega-City One e quer ver até onde a insanidade pode ir quando Garth Ennis está no comando.
A edição mais recente da Dia do Julgamento no Brasil saiu no quinto volume da coleção Juiz Dredd Essencial, da Mythos Editora, publicado em 2023 e ainda em catálogo. A edição tem capa brochura, 228 páginas e formato 21 x 27,6 cm.
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