Publicada em 2024 pela Dark Horse Comics, Helen of Wyndhorn é uma das HQs mais impactantes da fase recente de Tom King. Ao lado da brasileira Bilquis Evely e do colorista Matheus Lopes, King constrói uma obra que dialoga com a tradição da fantasia literária, mas a subverte para discutir temas muito mais íntimos e perturbadores.
A protagonista, Helen Cole, é filha de um escritor de fantasia célebre, porém autodestrutivo. Após a morte do pai, ela herda não apenas seu temperamento forte, mas também é levada ao enorme castelo onde vive o avô, em um lugar chamado Wyndhorn, que funciona como portal para um universo paralelo — o mesmo que inspirou os livros do pai. Aos poucos, Helen descobre que esses mundos, antes considerados pura imaginação, são reais, repletos de criaturas, guerras e segredos. Mas, junto com esse legado mágico, vem também o peso de uma herança familiar marcada por dor, manipulação e ausência.
É nesse ponto que King mostra sua força. Em vez de entregar uma fantasia no estilo Nárnia ou O Senhor dos Anéis, ele usa esse pano de fundo para falar sobre herança, abuso e identidade. O castelo funciona como metáfora da memória e da herança familiar: fascinante, grandioso, mas também claustrofóbico e carregado de cicatrizes. Helen, por sua vez, representa a segunda geração que precisa decidir se repete, rejeita ou transforma o que recebeu.
As influências são claras: há ecos da fantasia britânica, dos clássicos de espada e feitiçaria e até de Jack Kirby, mas filtrados por uma sensibilidade contemporânea, em que o mito serve para revelar feridas emocionais.
A arte de Bilquis Evely é um espetáculo à parte.Seus traços assumem uma dureza quase fria no mundo real, e nos cenários fantásticos do universo de fantasia explodem em detalhes barrocos, criaturas surreais e paisagens arrebatadoras. Esse contraste reforça a dualidade central da HQ: realidade e imaginação coexistem, mas nem sempre em harmonia. O trabalho de Matheus Lopes nas cores completa a atmosfera, alternando entre melancolia e esplendor.
No fim, Helen of Wyndhorn é menos sobre salvar um mundo mágico e mais sobre encarar os fantasmas deixados por quem deveria ser um porto seguro. Uma HQ que fala sobre trauma, poder e a necessidade de ressignificar a própria herança.
Entre as obras mais marcantes dos últimos anos, o quadrinho reafirma Tom King como um dos roteiristas mais ambiciosos da sua geração e consolida Bilquis Evely como uma das artistas mais importantes e originais da atualidade. Uma leitura exigente, mas recompensadora.
A edição brasileira publicada pela Suma vem em capa dura, 176 páginas em papel couchê e inclui extras no final. A tradução foi de Angélica Andrade.
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