Entre o caos e a inovação: Voivod e a estranheza barulhenta de Rrröööaaarrr (1986)

O Voivod nunca foi uma banda fácil de rotular. Desde os primeiros passos, os canadenses se mostraram interessados em explorar territórios além do metal tradicional, misturando velocidade, agressividade e um senso de estranheza que logo se tornaria sua marca registrada. Rrröööaaarrr, lançado em 1986, é o segundo álbum da banda e um documento cru, barulhento e desafiador de uma época em que o thrash metal ainda estava em plena mutação.

O disco chegou dois anos depois da estreia War and Pain (1984), um álbum mais próximo do Venom e do Motörhead, carregado de sujeira e urgência. Já em Rrröööaaarrr percebe-se uma transição: a sonoridade ainda é agressiva e pouco polida, mas o Voivod começa a deixar claro que não se contentaria em ser apenas mais um grupo de thrash. Há dissonâncias, riffs quebrados e climas quase industriais que apontam para o que viria a seguir em Killing Technology (1987) e, especialmente, em Dimension Hatröss (1988).

As influências principais ainda passam pelo Motörhead, Venom e o thrash da Bay Area, mas Piggy (guitarra) injeta um senso de experimentação que soa deslocado em meio ao que outras bandas estavam fazendo. Snake (vocais) entrega interpretações viscerais, mais gritadas do que cantadas, enquanto Away (bateria) já mostra a inventividade rítmica que se tornaria uma assinatura. Blacky (baixo), com sua distorção única, completa a sonoridade torta do quarteto.

Entre os destaques, “Korgüll the Exterminator” abre o álbum com fúria e caos, apresentando de cara o universo sci-fi/apocalíptico da banda. “Ripping Headaches” é talvez o momento mais direto e thrash do disco, puro soco na cara. Já “Slaughter in a Grave” e “Fuck Off and Die” são hinos de brutalidade juvenil, enquanto as músicas do lado B do disco, a partir de “Thrashing Rage”, mostram o embrião de ideias mais progressivas e dão pistas do que estava por vir nos trabalhos seguintes.

O impacto de Rrröööaaarrr na época foi mais de choque do que de aclamação. O disco era visto como excessivamente barulhento, estranho e difícil até para os padrões do metal extremo da metade dos anos 1980. Mas, com o tempo, passou a ser reconhecido como um passo fundamental na evolução do Voivod. Ele marca a transição entre o som sujo e selvagem do início e a fase experimental que consolidaria o grupo como um dos mais originais do metal.

Hoje, Rrröööaaarrr soa como um registro de uma banda que já tinha a visão de ir além, mas ainda não dominava completamente seus próprios recursos. É caótico, disforme e muitas vezes indigesto, mas é exatamente nessa crueza que reside sua força. Para os fãs, representa o momento em que o Voivod deixou de ser apenas mais uma promessa e começou a pavimentar um caminho único, influenciando gerações de bandas que enxergaram no metal não só agressividade, mas também espaço para imaginação, esquisitice e ousadia.

O álbum havia sido lançado apenas em LP no Brasil em 1986, em uma edição não oficial prensada pela Woodstock Discos. A Wikimetal, seguindo com o seu excelente trabalho de resgate, colocou no mercado a primeira edição nacional em CD do disco, que vem com luva protetora e encarte de quatro páginas com as letras. A prensagem é limitada a 500 cópias.