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Entre o sufoco e a memória: Dormindo Entre Cadáveres, o quadrinho que expõe o horror da pandemia (Luís Moreira Gonçalves, Felipe Parucci, 2025, Comix Zone)


Dormindo Entre Cadáveres
, de Luís Moreira Gonçalves (roteiro) e Felipe Parucci (arte), é uma HQ incômoda, porém necessária. Publicado pela Comix Zone em capa dura e com 320 páginas em preto e branco, o quadrinho transforma em arte um dos períodos mais brutais da história recente: os meses em que a pandemia de COVID-19 colapsou o sistema de saúde na Amazônia.

Gonçalves é um médico português que esteve na linha de frente do combate à pandemia em Rondônia. O que ele viveu nos plantões — a exaustão, o desespero, a impotência diante de mortes diárias — virou matéria-prima para o roteiro. Não há filtros nem romantização: o quadrinho é construído em fragmentos de lembrança, sonho e trauma, criando um relato cru, inquietante e perturbador.

A arte de Felipe Parucci intensifica ainda mais o peso da narrativa. O traço é solto, expressivo, quase sujo, transmitindo angústia a cada quadro. O preto e branco reforça o clima opressivo, enquanto a escolha por desenhos exagerados e expressões que se aproximam de algo mais cartunesco traduz em imagens o abalo psicológico dos personagens reais que inspiraram o livro. É um estilo que não suaviza nada — pelo contrário, amplifica a sensação de sufoco.


Dormindo Entre Cadáveres
é ao mesmo tempo testemunho e obra artística. Um quadrinho que não busca ser “agradável”, mas que é extremamente necessário como documento histórico de um período que, apesar de ter marcado a vida de milhões de pessoas, ainda é suavizado – quando não totalmente negado – por uma parcela da sociedade. A memória de um horror recente que não pode ser apagado nem esquecido, transformada em HQ com força documental e impacto humano.

No fim, é uma leitura dura, daquelas que incomodam porque precisam incomodar. E justamente por isso, torna-se essencial.


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