A tragédia inevitável: por que Lulu (2011) é um desafio sonoro e audacioso de Lou Reed e do Metallica
Na história da música moderna, poucas colaborações soaram tão improváveis, tão arriscadas e, no final, tão visceralmente rejeitadas quanto a união entre uma das maiores e mais influentes bandas da história do metal, o Metallica, e o padrinho do art rock e da vanguarda, Lou Reed. Lulu (2011) não é um disco. É um acontecimento. É uma peça de teatro em áudio, uma ópera vanguardista, uma catarse. E é, inegavelmente, um dos trabalhos mais divisivos e incompreendidos da história recente do rock.
O álbum nasceu de um encontro no Rock and Roll Hall of Fame em 2009. A admiração mútua levou a dupla a um projeto. Lou Reed, em um movimento característico de sua veia mais teatral e experimental (que remonta a Metal Machine Music, lançado em 1975, ou à narrativa de Berlin, que saiu em 1973), propôs ao Metallica musicar as letras que ele havia escrito para uma encenação da peça expressionista alemã "Lulu", de Frank Wedekind. A influência central, portanto, não é musical, mas literária e dramática. A história de Lulu, a femme fatale cuja beleza e desejo sexual levam seus amantes à ruína e a ela a um destino trágico, exigia um acompanhamento instrumental que fosse mais do que riffs. Exigia uma paisagem sonora. O Metallica, livre das amarras do formato-canção, aceitou o desafio de atuar como essa orquestra de ruídos, jams e feedbacks.
O grande problema de Lulu para o ouvinte tradicional é a falta de coesão entre o sprechgesang (canto falado/declamado) de Reed e a base de metal. O disco soa como se Lou Reed estivesse lendo poesia sobre uma jam mais densa e caótica do Metallica. No entanto, há momentos de inegável acerto: a primeira faísca surge em "The View", o primeiro single, que apresenta o vocal áspero e gritado de James Hetfield em contraponto ao monólogo de Reed, criando um diálogo (ou um embate) que funciona como um vislumbre da química possível. Em "Mistress Dread", a banda soa mais próxima do metal que seus fãs esperam, com riffs cortantes e pesados, mas ainda assim a serviço da arquitetura dramática, e não do formato tradicional de thrash. Já a peça final, "Junior Dad", com quase 20 minutos, é o epítome da ambição e, para muitos, o grande triunfo. É uma meditação melancólica sobre a relação pai e filho, menos metal e mais drone rock e ambient, com uma orquestração sublime no final. É a canção que mostra a capacidade do Metallica de criar uma atmosfera devastadora quando foca em textura, não em velocidade.
Lulu foi um fracasso comercial retumbante e recebeu uma onda de críticas negativas sem precedentes, especialmente entre a base de fãs do Metallica, que viu a parceria como uma traição ao thrash puro. Contudo, para o fã de Lou Reed (acostumado com obras que beiram o inaudível, como o já mencionado Metal Machine Music), Lulu foi mais uma provocação bem-sucedida. O álbum é a prova da coragem criativa e da inquietude do Metallica, que, mesmo sendo uma das maiores e mais icônicas bandas da história do metal, se arriscou em um território inóspito. É um disco que exige atenção e esforço, um desafio ao ouvinte que nos lembra que a música pode (e deve) ser desafiadora e não se limitar a agradar.
Finalmente, Lulu não se encaixa na discografia do Metallica: é uma entidade separada, uma obra sui generis. E, para aqueles dispostos a enfrentar a colisão de estilos, o disco oferece uma experiência densa, teatral e inegavelmente única. É um álbum que os colecionadores da banda precisam ter, não para ouvir todos os dias, mas para lembrar o quão audaciosa e estranha a música pode ser quando dois gênios de universos opostos decidem se encontrar, custe o que custar.
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