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Entre balas perdidas e guitarras cortantes: Vida Amarga (2024), o álbum de estreia do Trágico


O punk brasileiro sempre teve como uma de suas marcas mais fortes a visceralidade. Da fúria do Cólera e Ratos de Porão nos anos 1980 até os muitos coletivos que resistem hoje em selos independentes, a regra é simples: atitude em primeiro lugar. O Trágico, banda formada em São Paulo em 2023 e que conta com Fernando (vocal), Fejones (guitarra), Amanda (baixo) e Déda (bateria), chega com o mesmo espírito combativo e entrega em seu primeiro registro, Vida Amarga (2024), uma declaração de princípios que não faz concessões.

Gravado e masterizado em junho de 2024 por Fábio Godoy no 147 Studio Bar e lançado em novembro via Bandcamp e também em CD independente com tiragem limitadíssima de apenas 150 unidades, Vida Amarga é direto como um soco no estômago. São faixas rápidas, ruidosas, com vocais que beiram o grito e guitarras que se apoiam em riffs cortantes. O hardcore punk do grupo é bruto, cru e absolutamente fiel às origens do estilo. Não há polimento: o que se ouve é exatamente a intensidade que se vê no palco. O disco inclui duas faixas bônus ao vivo, reforçando essa atmosfera de urgência.

As letras são o ponto alto. O Trágico encara de frente a realidade brasileira: desigualdade social, violência urbana, opressão policial, alienação digital. É um repertório temático que dialoga diretamente com quem vive a rotina das grandes cidades, atravessada por balas perdidas, desamparo e injustiça. Não existe espaço para abstrações ou poesia rebuscada: o que se escuta é denúncia, raiva e um desejo de transformação social traduzido em música.


Do ponto de vista sonoro, Vida Amarga cumpre seu papel com coerência, mas talvez peque pela falta de variedade. A intensidade se mantém em patamar alto do início ao fim, e para alguns ouvintes isso pode soar repetitivo. Por outro lado, para os fãs mais puristas de hardcore, essa linearidade pode ser vista como virtude — a fidelidade absoluta ao espírito do punk.

No saldo final, o álbum coloca o Trágico no mapa como mais um nome a se acompanhar na cena independente. Vida Amarga não é um trabalho que busca agradar ou se abrir para públicos maiores: é música de resistência, feita para incomodar e expor feridas. E é justamente essa a sua força.


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