Depois do impacto brutal de Cabeça Dinossauro (1986) e da melancolia urbana de Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), os Titãs mergulharam ainda mais fundo na experimentação. O resultado foi Õ Blésq Blom (1989), um álbum que misturou rock, reggae, punk, música nordestina, poesia marginal e colagens sonoras com a liberdade de quem não devia satisfação a ninguém.
Na virada da década de 1980 para os anos 1990 o rock brasileiro vivia seu auge comercial, mas também começava a mostrar sinais de desgaste. O país saía da década perdida, e a democracia recém-conquistada respirava entre incertezas e contradições. Dentro dessa atmosfera caótica, os Titãs responderam com um disco que soa como uma transmissão de um Brasil real, dissonante e surreal.
Gravado com produção de Liminha, Õ Blésq Blom levou a inventividade dos Titãs ao limite. O título vem da expressão de Mauro e Quitéria, dois cantadores piauienses que abrem o álbum com uma gravação rudimentar — uma fita cassete que a banda recebeu de um caminhoneiro e decidiu incluir no disco. Essa introdução, com sua fala incompreensível e carregada de sotaque, sintetiza o espírito da obra: o choque entre o popular e o moderno, o erudito e o tosco, o planejado e o improvisado.
Musicalmente, o disco é uma colagem pulsante. Canções como “Flores” e “O Pulso” se tornaram clássicos imediatos — a primeira, com sua beleza melancólica e refrão inesquecível, e a segunda, um mantra pós-moderno que mistura palavras científicas e batidas hipnóticas. Já “Miséria” e “32 Dentes” expõem o lado mais provocador e ácido da banda, enquanto “O Camelo e o Dromedário” e “Racio Símio” exploram experimentações rítmicas e letras absurdistas.
O álbum é, essencialmente, um manifesto de liberdade. Há samplers, percussões eletrônicas, colagens e uma disposição de quebrar qualquer formato tradicional. Os Titãs assumiram de vez a influência de grupos como Talking Heads e Public Image Ltd., mas traduziram essas referências para o idioma brasileiro, sujo e vibrante.
Õ Blésq Blom foi elogiado efusivamente pela crítica, embora parte do público tenha se perdido na densidade das novas ideias. Ainda assim, o disco consolidou os Titãs como a banda mais inventiva e intelectual do rock nacional. Eles não estavam apenas fazendo canções — estavam desmontando o conceito de música pop brasileira e remontando-o à sua maneira.
Com o tempo, Õ Blésq Blom ganhou o reconhecimento merecido como um dos trabalhos mais audaciosos da história do rock brasileiro. É um álbum que desafia, provoca e continua soando moderno décadas depois. Um registro do momento em que os Titãs encontraram a perfeita interseção entre arte e caos — e mostraram que, às vezes, a genialidade mora justamente no ruído.
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