Em 1986, o rock brasileiro vivia um dos seus auges criativos. A geração que definiria a década — Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Plebe Rude — já dominava rádios, programas de TV e corações adolescentes. O Engenheiros do Hawaii chegou nesse cenário com Longe Demais das Capitais, um disco que parecia, à primeira vista, deslocado no tempo e no espaço. Mas foi justamente esse deslocamento — geográfico, estético e lírico — que deu à banda gaúcha uma identidade própria e duradoura.
Formado em Porto Alegre, o trio de Humberto Gessinger (baixo e vocais), Carlos Maltz (bateria) e Augusto Licks (que ainda não estava na formação inicial do disco, mas se tornaria essencial nos anos seguintes) estreou apostando em letras cerebrais e ironicamente existenciais, embaladas por um som que mesclava a new wave e o pós-punk com a melancolia do sul do país. Na época, Gessinger ainda respondia pela guitarra, enquanto Marcelo Pitz era o baixista – ele sairia logo depois, levando à mudança de instrumento de Humberto e à chegada de Licks.
Longe Demais das Capitais soa como uma crônica introspectiva de quem observa o país de fora do eixo Rio-São Paulo, transformando a distância em matéria-prima para uma obra diferente de tudo que estava sendo feito no Brasil. Musicalmente, o disco traz a marca de suas referências internacionais — o The Police de Ghost in the Machine (1981) e Synchronicity (1983), o U2 do início dos anos 1980, o rock britânico de estruturas econômicas e riffs rítmicos — mas filtradas por um sotaque e uma sensibilidade muito particulares. O trio soa enxuto, quase minimalista, com arranjos que priorizam a melodia e o discurso. Há um frescor juvenil, mas também uma busca por coerência e inteligência em cada verso, algo raro na cena nacional da época.
“Toda Forma de Poder” se destaca como um manifesto geracional e irônico, misturando crítica e sarcasmo com um refrão que gruda desde a primeira audição. “Sopa de Letrinhas” e “Segurança” mantêm o tom ácido e questionador, enquanto “Longe Demais das Capitais” revela o lado melancólico de Gessinger, com versos que falam sobre isolamento, pertencimento e a tentativa de se conectar com um país fragmentado.
O impacto do álbum foi imediato no Rio Grande do Sul, mas levou algum tempo para ecoar nacionalmente. Ainda assim, Longe Demais das Capitais serviu como porta de entrada para uma trajetória que colocaria o Engenheiros entre as bandas mais cultuadas do rock brasileiro. Sua sonoridade única, aliada à escrita precisa e irônica de Humerto Gessinger, criaria uma legião de seguidores que se veria refletida na introspecção e no intelectualismo das letras — algo que se consolidaria nos discos seguintes.
O álbum de estreia dos Engenheiros do Hawaii continua a soar como um retrato fiel de sua época e, ao mesmo tempo, como uma obra à frente dela. Um registro de juventude inquieta, feito longe demais do centro das atenções, mas próximo o suficiente do coração de quem sempre buscou mais do que fórmulas fáceis.
Porque, no fim, Longe Demais das Capitais é sobre isso: transformar a distância em identidade, a solidão em arte e o isolamento em força criativa. Um começo emblemático para uma banda que nunca teve medo de pensar demais.
Belo texto, Ricardo. Eu cresci ouvindo Engenheiros, quis tocar baixo por causa do Humberto, mas hj vejo que muita gente não suporta a banda, acusando-os de pretensiosos demais, de músicos ruins, de letras que falam de um monte de coisas desconectadas. O que vc acha disso?
ResponderExcluirSou um grande fã da banda, acho que isso responde.
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