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AC/DC esgota três shows no Brasil e mostra que o rock não morreu — mas também que não é para todos


Depois de 16 anos longe do país, o AC/DC anunciou três apresentações em São Paulo como parte da
Power Up Tour, marcadas para 24 e 28 de fevereiro e 4 de março de 2026, no MorumBIS. Em poucas horas, os ingressos evaporaram. A notícia percorreu o mundo e trouxe de volta uma velha discussão: afinal, o rock morreu?

Se depender da resposta dos fãs, definitivamente não. Mesmo com preços que variavam de R$ 675 (meia de pista) a R$ 1.590 (inteira nos setores mais próximos), sem contar taxas, transporte e hospedagem, os ingressos sumiram rapidamente — muitos para as mãos de cambistas e revendedores, que, como sempre fazem, devem passar a pedir valores muito acima do original nos próximos dias.

O que deveria ser uma celebração do retorno ao Brasil de uma das maiores bandas de todos os tempos acabou evidenciando o lado perverso do novo mercado de shows: a música ainda emociona, mas o acesso se tornou privilégio.

O Brasil é potência — mas o rock virou luxo

Segundo o relatório PwC/Live Entertainment, o Brasil se tornou a segunda potência global em shows ao vivo, atrás apenas dos Estados Unidos. O setor movimenta cerca de R$ 300 bilhões por ano, ou 4,3% do PIB nacional, de acordo com dados da Abeoc e do Sebrae.

É uma conquista impressionante, mas também um sintoma da desigualdade que atravessa o país. O mesmo público que enche estádios para ver o AC/DC enfrenta preços proibitivos para participar de um evento cultural que, no imaginário, sempre foi popular. O rock, que nasceu como grito de rebeldia, hoje é vendido como artigo premium.


O retrato do fã: paixão e poder de compra

A pesquisa da Collectors Room, publicada em novembro de 2025, ajuda a entender essa contradição. O estudo mostra que o colecionador brasileiro de rock e metal é um público maduro e fiel, com 77% entre 35 e 54 anos e 41% com renda acima de R$ 7 mil.

É uma audiência disposta a gastar, mas de forma consciente:

  • 37% apontam o preço como principal fator de compra;

  • 74% só pagam mais por edições especiais quando o título tem valor emocional;

  • e o CD é considerado o melhor custo-benefício (58%).

Esse perfil contrasta com a lógica dos shows internacionais, que tratam a paixão como moeda. Enquanto o colecionador busca valor e vínculo, o mercado de eventos aposta na exclusividade e escassez, transformando a experiência musical em status.

O rock não morreu, mas está desequilibrado

Quando se vê uma banda como o AC/DC esgotando estádios em poucas horas, é tentador concluir que o rock segue vivo e pulsante. Mas esse vigor é restrito a nomes gigantescos, com décadas de história e capital simbólico acumulado.

A realidade das bandas brasileiras de rock e metal é bem diferente. Mesmo músicos consagrados lutam para manter seus projetos autorais ativos e financeiramente viáveis. Um exemplo é a turnê recém-anunciada por Aquiles Priester, Thiago Bianchi e Edu Ardanuy, em tributo a Andre Matos. O projeto, que celebra um ícone do metal nacional, foi recebido com entusiasmo, mas também revela a dependência do saudosismo como combustível para o mercado. Esses artistas, todos com carreiras sólidas e bandas de qualidade, encontram dificuldade em gerar a mesma tração quando apostam em material novo.

Ou seja: o público ainda quer rock, mas quer reviver o passado, não necessariamente apostar no futuro.

O que a demanda pelo AC/DC revela sobre o futuro do rock

A volta do AC/DC ao Brasil é motivo de celebração, mas também de reflexão. Mostra que o rock segue mobilizando multidões, mas também denuncia o abismo econômico e cultural que separa a elite do público comum. Enquanto alguns milhares poderão cantar “Thunderstruck” no MorumBIS, milhões acompanharão de longe, lembrando que o rock nasceu nas ruas, não nos camarotes.

O desafio agora é equilibrar essas forças: manter vivo o legado das grandes bandas sem sufocar a cena autoral que tenta sobreviver com recursos limitados.

Porque o rock não morreu. Mas, para continuar vivo, ele precisa voltar a caber no bolso e no coração de quem o ama.


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