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Tex Gigante 3 - A Marca da Serpente: fé, veneno e redenção no deserto (2025, Mythos Editora)


Algumas histórias de Tex lembram por que o ranger é eterno, e A Marca da Serpente é uma delas. Publicada originalmente em 1990 na Itália e no Brasil apenas em 2008, a HQ reúne dois gigantes do faroeste em quadrinhos: Claudio Nizzi, em um de seus momentos mais inspirados, e Aurelio Galleppini (Galep), o criador visual de Tex, aqui em seus últimos anos de atividade. O encontro entre um roteirista no auge e um desenhista veterano, já próximo do fim da jornada, resulta em uma obra que exala crepúsculo, tanto na atmosfera quanto no espírito.

A trama parte de um ponto clássico do universo de Tex: uma série de mortes misteriosas na fronteira com o México. As vítimas, envenenadas por serpentes, carregam a marca de um símbolo esculpido nas pedras: duas cabeças entrelaçadas, prenunciando o mistério. A investigação conduz Tex e seu inseparável parceiro Kit Carson até um convento isolado, que há muito deixou de ser um santuário e tornou-se o covil de criminosos comandados por um alquimista enlouquecido pela busca da pedra filosofal. O enredo mistura misticismo e aventura, faroeste e horror gótico, razão e superstição.

O roteiro de Nizzi é exemplar naquilo que o consagrou como o grande herdeiro de Gianluigi Bonelli: ritmo firme, humor seco e senso de justiça moral inabalável. Ele não busca reinventar o personagem, mas reafirmar sua essência — Tex como o guardião das fronteiras éticas do Oeste, um homem que atravessa o deserto com mais fé na palavra do que na bala. Nizzi escreve como quem conhece a alma do ranger: dura, solitária e justa.

Já o desenho de Galep carrega o peso e a dignidade de uma despedida. Seu traço continua clássico, direto e legível, dono de uma elegância quase arqueológica. As paisagens áridas, os rostos enrugados e o olhar firme de Tex são retratados com a serenidade de quem domina o ofício há décadas. É verdade que o vigor técnico já não é o mesmo dos anos 1960, mas isso apenas adiciona textura e melancolia — como um bluesman veterano, Galep toca cada linha com sentimento. Há algo de profundamente humano nesse traço que envelhece junto com o herói.



Quando lançado, A Marca da Serpente foi celebrado como um pequeno evento: o reencontro de Nizzi e Galep, o mestre e o discípulo, unidos em um faroeste que soa como uma prece ao gênero. No Brasil, sua publicação tardia transformou o álbum em objeto de culto entre colecionadores, e com razão. É uma história que não brilha pelo ineditismo, mas pela pureza — o reflexo de uma era em que Tex ainda era contado com alma, sem pressa, com o olhar voltado tanto para a poeira da estrada quanto para o mistério que se esconde no horizonte.

Tex Gigante – A Marca da Serpente é um faroeste sólido, sincero e cheio de personalidade. Um clássico silencioso, desses que crescem a cada releitura, revelando novas camadas de significado — sobre o tempo, a honra e a persistência dos mitos. Se Tex fosse uma banda, este seria o álbum tardio de lendas que ainda sabem o que estão fazendo: talvez sem a energia dos primeiros dias, mas com a sabedoria de quem já viu o pôr do sol muitas vezes e ainda segue cavalgando em direção a ele.

Agora republicada pela Mythos Editora em uma nova edição com papel offset, A Marca da Serpente é uma oportunidade perfeita para reencontrar o velho ranger, e lembrar que certos heróis, assim como certas histórias, não envelhecem: apenas se tornam mais verdadeiros.

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