Poucas bandas conseguiram atravessar três décadas de metal extremo, mudanças de cena e transformações tecnológicas sem diluir completamente a própria identidade. O Paradise Lost é uma dessas exceções. Em Ascension (2025), seu 17º álbum de estúdio, o grupo não apenas reafirma essa identidade como demonstra um entendimento raro de seus próprios limites e, principalmente, de suas forças.
Lançado pela Nuclear Blast, o álbum se insere diretamente na fase mais coesa da discografia recente da banda, iniciada com The Plague Within (2015). Desde então, o Paradise Lost vem operando em um território muito específico: a síntese entre o peso do doom/death inicial e a sofisticação melódica adquirida nos anos 1990, sem recaídas nos excessos eletrônicos ou industriais que marcaram parte da produção dos anos 2000. Ascension aprofunda essa equação, mas o faz de maneira menos agressiva e mais contemplativa do que seus antecessores imediatos.
A produção de Greg Mackintosh é central para essa leitura. As guitarras não são apenas veículos de peso, mas também instrumentos narrativos. Os riffs carregam uma função estrutural, criando tensão e resolução dentro das músicas, enquanto as linhas melódicas surgem quase sempre como contraponto emocional, nunca como ornamento gratuito. O resultado é um álbum que exige escuta atenta não pelo virtuosismo, mas pela forma como as camadas sonoras se organizam e se revelam aos poucos.
Nick Holmes, por sua vez, entrega uma de suas performances mais equilibradas dos últimos anos. O vocalista parece completamente confortável transitando entre o gutural controlado e o vocal limpo grave, sem que um soe forçado ou artificial. Diferente de discos em que a agressividade vocal funcionava como choque, aqui ela é usada com parcimônia, quase como ferramenta dramática. Isso reforça o caráter introspectivo do álbum, que trabalha mais com atmosferas densas do que com impacto imediato.
Faixas como “Serpent on the Cross” e “Tyrants Serenade” funcionam como pontos de ancoragem do disco. São músicas que condensam bem o espírito de Ascension: riffs sólidos, andamento médio, refrões melancólicos e uma sensação constante de peso emocional. Não se trata de agressividade explosiva, mas de um peso arrastado, quase opressivo, herança direta do doom metal que sempre esteve no DNA da banda. O nível se mantém altíssimo em “Salvation” e “Silence Like the Grave”.
Ao mesmo tempo, Ascension expõe uma limitação recorrente no Paradise Lost contemporâneo: a dificuldade em sustentar o mesmo nível de inspiração ao longo de toda a duração do álbum. A região central do disco apresenta faixas corretas, bem executadas, mas que carecem de um impacto maior. Elas funcionam no contexto do álbum, mas dificilmente se sustentam isoladamente. Não chegam a comprometer a audição, mas quebram a sensação de progressão que poderia elevar o trabalho a um patamar superior.
Ainda assim, o saldo é claramente positivo. Ascension não busca dialogar com tendências atuais do metal extremo nem se apresenta como um manifesto artístico. É um álbum introspectivo, consciente de sua herança e confortável com sua própria melancolia. Há aqui uma banda que entende que maturidade não significa suavização, mas controle: saber quando avançar, quando recuar e quando simplesmente deixar a música respirar.
Dentro da discografia do Paradise Lost, Ascension se posiciona como um trabalho de consolidação. Não tem o impacto revolucionário de Icon (1993) ou Draconian Times (1995), nem a agressividade surpreendente de The Plague Within (2015), mas funciona como um retrato honesto de uma banda que encontrou seu eixo criativo e decidiu permanecer nele. Para o ouvinte atento, isso não é pouco.


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