Em sua melhor fase, o Aerosmith parecia imparável. Entre Get Your Wings (1974), Toys in the Attic (1975) e Rocks (1976), a banda construiu uma sequência tão sólida que ajudou a definir o hard rock norte-americano dos anos 1970. Draw the Line, lançado em dezembro de 1977, chegou logo após esse auge, e justamente por isso costuma ser lembrado como o álbum em que a engrenagem começou a falhar. Mas, como quase sempre acontece com discos cercados por lendas, a história é um pouco mais complexa.
Gravado em meio a excessos, agendas caóticas e um clima interno cada vez mais instável, Draw the Line captura o Aerosmith em modo de sobrevivência. A produção de Jack Douglas, tradicional parceiro da banda, é mais densa e confusa do que nos trabalhos anteriores, e isso gerou críticas pesadas na época. A Rolling Stone, por exemplo, chegou a classificar o disco como horrendo, enquanto outros veículos apontavam que o grupo parecia sem combustível. Ainda assim, o disco alcançou destaque nas paradas, confirmando que o poder comercial do Aerosmith seguia intacto.
O que se ouve em Draw the Line é um rock mais sujo, menos calculado e, paradoxalmente, mais sincero. A faixa-título é explosiva, um dos melhores singles da banda e um exemplo claro de como o grupo ainda conseguia soar afiado mesmo em meio ao caos. “Kings and Queens”, outro destaque, revela a veia épica e melódica que sempre conviveu com o lado mais decadente do Aerosmith, um contraste que, aqui, fica ainda mais evidente.
O resto do álbum oscila entre boas ideias e execuções que deixam transparecer o ambiente turbulento do período. Há momentos em que a banda parece reencontrar o foco, e outros em que o peso da estrada, das brigas e das substâncias toma conta do resultado. Mas essa irregularidade, curiosamente, é parte do fascínio do disco: Draw the Line soa como um documento cru de uma banda gigante prestes a desabar.
Ao longo dos anos, o álbum ganhou defensores que o veem como a última grande faísca criativa da formação clássica antes da implosão que tomaria conta do grupo no final da década. E faz sentido: mesmo imperfeito, ele preserva o espírito feroz que transformou o Aerosmith em uma das maiores bandas de rock dos Estados Unidos.
Draw the Line não tem a coesão de Rocks, nem a criatividade de Toys in the Attic. Mas continua sendo um disco importante, não apenas pelo que representa na trajetória do Aerosmith, mas pelo registro honesto de uma banda lutando contra si mesma enquanto ainda produzia faíscas suficientes para iluminar o cenário do hard rock.


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