Poucos álbuns traduzem tão bem as contradições do rock dos anos 1970 quanto Hotel California (1976). Os Eagles, já donos de um sucesso gigantesco, enxergavam claramente o abismo que se abria entre o glamour da indústria e a deterioração moral por trás das cortinas. Em vez de fugir, decidiram encarar o tema de frente. O disco surge desse incômodo: elegante por fora, corrosivo por dentro, e justamente por isso tão fascinante.
A entrada do guitarrista Joe Walsh funciona como um divisor de águas. Seu estilo elétrico, mais agressivo e intuitivo, abre espaço para um som com musculatura de arena, e isso se reflete em praticamente todo o álbum. Não por acaso, o álbum foi lapidado ao longo de meses, em gravações extensas entre Miami e Los Angeles. O grupo poliu cada arranjo como se buscasse um equilíbrio improvável entre sofisticação pop, técnica e grandiosidade.
A faixa-título é um caso à parte. Um épico que já nasceu eterno, carregado de imagens ambíguas e interpretações para todos os gostos: crítica ao hedonismo da indústria, metáfora do sonho americano corroído ou apenas um pesadelo californiano embalado por harmonias perfeitas? Musicalmente, é um monumento. O solo final, dividido entre Don Felder e Joe Walsh, virou uma das jam sessions mais reconhecíveis da história da música.
Mas Hotel California não é um álbum de uma música só. “New Kid in Town” mostra o lado mais melódico e melancólico do grupo, enquanto “Life in the Fast Lane” escancara o hedonismo e a autodestruição que rondavam a cena da costa oeste norte-americana impulsionada pelo riff cortante de Walsh, um dos melhores de sua carreira. Já “The Last Resort” fecha o disco com um comentário amargo sobre a expansão americana e seus impactos, uma balada que abandona o glamour para encarar a paisagem com honestidade desconfortável.
Na época, o álbum dividiu opiniões: havia quem apontasse certa pretensão nas letras, enquanto outros viam nesse excesso justamente a força do trabalho. Décadas depois, com a perspectiva que só o tempo dá, Hotel California se impôs como o grande momento dos Eagles, a síntese de tudo o que a banda poderia ser quando coragem artística, técnica refinada e visão crítica se encontravam no mesmo estúdio.
O resultado é um disco monumental, ao mesmo tempo atraente e perturbador, que funciona como retrato brilhante de uma época e como comentário mordaz sobre ela. Um daqueles álbuns que você revisita continuamente, sempre encontrando algo novo. E que, quase meio século depois, segue soando tão atual quanto no dia em que aterrissou no mundo.
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