Hoje é um Belo Dia para Matar chega ao Brasil pela DarkSide com a mesma sutileza perversa que fez Beneath the Trees Where Nobody Sees (o título original da obra) se destacar lá fora. É aquele tipo de HQ que, se você folhear rápido, pode até confundir com um livro infantil: cores suaves, bichinhos antropomórficos, uma vila acolhedora e uma protagonista que parece saída de uma prateleira de pelúcias. Mas basta virar poucas páginas para perceber que Patrick Horvath está interessado justamente no atrito entre o adorável e o abominável. E ele leva essa ideia até as últimas consequências.
Samantha Strong, a ursa que vive na pequena Bosque do Riacho, é a espinha dorsal dessa desconfortável simbiose. Por fora, uma cidadã modelo. Por dentro, uma serial killer disciplinada, com código próprio e um método tão organizado quanto perturbador. Horvath brinca com essa duplicidade como quem afia uma faca: cada gesto gentil esconde uma sombra, cada enquadramento aconchegante prepara terreno para a ruptura. O resultado é um horror afiado, um quadrinho que seduz visualmente enquanto vai corroendo o leitor pelas bordas.
Patrick Horvath entrega uma narrativa que opera em ritmo de relógio, alternando tensão e explosões brutais sem perder o fio emocional. E, o mais interessante: ele nunca pede desculpas pela protagonista. Samantha é construída para incomodar e para atrair. A HQ inteira se alimenta desse conflito moral, desse desconforto que não oferece respostas fáceis. Você torce contra ela, torce por ela, e às vezes nem percebe a linha tênue que separa as duas coisas.
Hoje é um Belo Dia para Matar funciona porque enxerga no terror mais íntimo, aquele que se esconde sob a rotina, um material poderoso. Não é apenas sobre mortes, investigações ou a mecânica de um serial killer: é sobre o que existe por trás das fachadas, sobre a violência que pode crescer em qualquer lugar, até nos cenários mais acolhedores.
É uma HQ elegante, cruel e surpreendentemente refinada. E que confirma Patrick Horvath como um autor capaz de transformar um bosque ensolarado em um abismo, daqueles onde você olha para dentro e a escuridão devolve o olhar.
A edição brasileira da Darkside vem em capa dura com 160 páginas coloridas em papel offset, com o acabamento de luxo mantendo o contraste entre o fofinho e o grotesco como parte da experiência, quase como um aviso silencioso de que nada aqui é exatamente o que parece.


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