Pular para o conteúdo principal

Hot Rocks 1964–1971 (1971): um monumento à fase mais revolucionária dos Rolling Stones


Hot Rocks 1964–1971 é o tipo de compilação que muitas bandas sonhariam em assinar, e que poucas teriam repertório para sustentar. Lançado no final de 1971 pela ABKCO, o álbum duplo surgiu de uma relação conturbada entre os Rolling Stones e o empresário Allen Klein, mas acabou se tornando muito mais do que um produto de catálogo: tornou-se uma síntese poderosa da metamorfose do grupo durante seu período mais criativo.

A força de Hot Rocks está em como ele acompanha e documenta faixa a faixa a transformação dos Stones entre 1964 e 1971. No início, vemos a banda ainda profundamente ligada ao R&B e ao blues americano, traduzindo aquela energia crua em versões afiadas e carregadas de atitude. É o nascimento dos “bad boys” britânicos: jovens, barulhentos e já perigosamente carismáticos.

A coletânea então avança para a fase psicodélica e experimental de 1966 e 1967. Músicas como “Ruby Tuesday” e “Let’s Spend the Night Together” revelam um grupo absorvendo o clima da época e expandindo suas ambições melódicas e arranjos. De repente, os Stones não eram apenas uma banda de rock, eram um organismo em constante mutação.

Mas é na segunda metade do disco que Hot Rocks realmente se impõe. As faixas de 1968 a 1971 formam uma das sequências mais avassaladoras já compiladas em um álbum: “Jumpin’ Jack Flash”, “Street Fighting Man”, “Sympathy for the Devil”, “Honky Tonk Women” , “Gimme Shelter”,  “Midnight Rambler”, “You Can’t Always Get What You Want”, “Brown Sugar” e “Wild Horses”. É uma sucessão de clássicos que não apenas definiram o som dos Stones, mas também moldaram os limites do rock. Esse material, sozinho, justificaria a existência do disco.


Do ponto de vista colecionista, Hot Rocks também tem uma história relevante. A compilação se tornou um dos títulos mais vendidos do catálogo dos Stones, gerando inúmeras prensagens, edições específicas para diferentes mercados e algumas variantes hoje cobiçadas, especialmente as primeiras edições americanas. Por muito tempo, foi o principal “best of” do grupo, antes da enxurrada de compilações que viria nas décadas seguintes.

Obviamente, há limitações. Compilações sempre deixam lacunas, e a seleção aqui não é definitiva nem pretende ser. Hot Rocks não substitui a trinca Beggars Banquet (1968), Let It Bleed (1969) e Sticky Fingers (1971), e tampouco tem a coesão conceitual desses discos. Mas esse nunca foi o objetivo. A força de Hot Rocks está na narrativa involuntária que constrói: uma trajetória que começa na reinvenção britânica do blues, passa pela psicodelia e termina com a banda plenamente formada, madura, feroz e consciente do próprio impacto cultural.

Para quem coleciona com atenção e foco nos marcos da história da música, Hot Rocks 1964–1971 é mais do que um resumo. É um documento sólido, intenso e ainda hoje vibrante. Um registro do momento em que os Rolling Stones deixaram de ser apenas uma grande banda e se afirmaram como uma instituição definitiva do rock.

Uma coletânea? Sim. Mas, acima de tudo, um monumento.


Comentários