O Guns N’ Roses voltou a lançar músicas novas, mas a história não começa em 2025. As sementes de “Atlas” e “Nothin’” estão enterradas lá atrás, nas intermináveis sessões de Chinese Democracy (2008), quando Axl Rose parecia disposto a construir uma obra impossível, feita de incontáveis demos, versões, rearranjos e ideias que nunca chegavam ao fim. Quase duas décadas depois, essas músicas finalmente emergem não como relíquias, mas como declarações de que o Guns ainda respira.
“Atlas”, antes conhecida entre colecionadores e fãs como “Atlas Shrugged”, já circulava em versões demo há anos. A faixa original tinha a mistura típica da era Chinese Democracy: camadas digitais, texturas densas, uma grandiosidade quase barroca. A versão lançada agora, porém, é outra história. Retrabalhada com a presença de Slash e Duff, “Atlas” ganhou musculatura. O riff, seco e direto, corta toda a nebulosidade do passado e recoloca o Guns no terreno que sempre lhe pertenceu. Slash assume a linha de frente com solos faiscantes e o baixo de Duff soa na cara, enquanto Axl entrega uma interpretação mais rasgada, consciente das limitações atuais, mas usando-as a favor da música. O resultado é uma canção que carrega o DNA do período mais conturbado do Guns, mas com a urgência de uma banda que, enfim, quer ser ouvida de novo.
Já “Nothin’” mostra o outro lado da moeda, o aspecto mais espectral e introspectivo que marcou profundamente a fase Chinese Democracy. Há algo da melancolia tecnológica daquele disco aqui, mas filtrado por um olhar mais maduro. Teclados criam um clima nebuloso, quase suspenso, enquanto as guitarras de Slash costuram melodias lentas e carregadas de sentimento, além de um solo que mostra porque ele é um dos últimos guitar heros do rock. Axl opta por um vocal baixo, íntimo, quase frágil, contrastando com a grandiosidade que tantas vezes marcou sua carreira. Se “Atlas” olha para o passado com punhos cerrados, “Nothin’” faz o mesmo com um suspiro. É uma faixa que não explode: ela paira sobre o ouvinte. E essa contenção é o que a torna interessante.
O diálogo entre essas duas músicas diz muito sobre o Guns N’ Roses de hoje. Elas nasceram de um período caótico, de um álbum que foi ao mesmo tempo uma obsessão e um labirinto sem saída para Axl Rose. Mas são concluídas agora, com uma banda que voltou a se enxergar como banda. O contraste entre a herança de Chinese Democracy e a presença atual de Slash e Duff dá às duas uma estranheza fascinante: ao mesmo tempo velhas e novas, antigas promessas enfim cumpridas.
“Atlas” e “Nothin’” não apontam necessariamente para uma reinvenção, mas sugerem algo talvez mais importante: a vontade de fechar ciclos abertos há décadas e construir algo que faça sentido no presente. O Guns N’ Roses, afinal, sempre viveu entre o mito e o colapso. Se essas duas músicas são o prenúncio de algo maior, ninguém sabe. Mas, pela primeira vez em muito tempo, o som não parece preso ao passado, mas sim pronto para seguir adiante.


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