Taken by Force (1977) é um disco que só revela toda a sua força quando você o enxerga como um ponto de fratura dentro da trajetória dos Scorpions. Ele não é apenas o quinto álbum da banda, mas sobretudo o último capítulo da era Uli Jon Roth, a fase mais artística e menos ortodoxa do grupo, e a fundação do que viria a ser o som mundialmente popular dos alemães na década de 1980. É um álbum de transição tão intenso que, por vezes, parece que dois Scorpions diferentes convivem dentro dele.
Em 1977, o Scorpions vivia um momento de tensão criativa. Uli Roth, cada vez mais interessado em caminhos espirituais, místicos e neoclássicos, já não se reconhecia no rumo mais direto e comercial que Rudolf Schenker e Klaus Meine buscavam. Ao mesmo tempo, a entrada do baterista Herman Rarebell dá ao grupo uma base rítmica mais seca, dura e precisa, preparando o terreno para a fase Animal Magnetism (1980) e Blackout (1982). Taken by Force nasce desse choque de intenções: é um álbum onde ambição artística e foco comercial se encaram sem filtro.
“Steamrock Fever” abre o disco como uma declaração de que a banda quer soar maior e mais pesada. A guitarra rítmica de Rudolf ganha mais presença, Meine canta mais agressivamente e Rarebell já mostra que veio para empurrar o Scorpions para frente. É a banda fazendo hard rock com energia de arena, sem perder a identidade europeia. Logo depois, “We’ll Burn the Sky” muda o eixo emocional: uma composição construída a partir de versos deixados por Monika Dannemann, companheira de Jimi Hendrix, o grande ídolo de Uli, transformando a faixa num híbrido entre elegia e explosão melódica. É aqui que o lado romântico e expansivo dos Scorpions começa a tomar forma de maneira nítida.
O centro gravitacional do álbum, porém, está em “Sails of Charon”. A faixa é um evento. Roth cria um riff que mistura música oriental, neoclassicismo e distorção de forma absolutamente singular, um tipo de composição que praticamente nenhum outro guitarrista da época estava tentando. O solo, fluido e narrativo, é daqueles momentos que justificam, sozinho, a reputação cult do disco. Taken by Force inteiro ganha profundidade por causa dessa estética proposta por Roth: seus arranjos sofisticados, seus vibratos quase vocais, sua busca por transcendência em cada frase. É um contraste impressionante com a solidez simples e eficaz de Schenker, e talvez por isso o álbum tenha essa sensação constante de tensão criativa.
Do outro lado do espectro, “He’s a Woman — She’s a Man” antecipa uma sonoridade que se tornaria marca registrada dos Scorpions na década seguinte: riffs rápidos, vocais afiados, refrão curtíssimo e impacto imediato. É quase um protótipo de speed metal, algo que bandas alemãs como Accept e Grave Digger explorariam anos depois. A faixa prova que os Scorpions estavam não só absorvendo tendências, mas definindo rumos. Já “Born to Touch Your Feelings” encerra o álbum de maneira grandiosa. É um épico emocional que combina sensibilidade pop, arranjo cinematográfico e melodias inesquecíveis. A primeira grande balada “de arena” dos Scorpions, abrindo caminho para “Holiday”, “Still Loving You” e tantas outras.
O que faz Taken by Force permanecer tão intrigante é justamente seu caráter fragmentado. Não é um álbum linear: é turbulento, dramático, cheio de idas e vindas emocionais e estéticas. Mas é exatamente nessa falta de uniformidade que reside sua grandeza. Taken by Force captura um Scorpions que ainda não sabe que vai dominar o mundo e justamente por isso se arrisca mais, ousa mais e cria algumas das peças mais singulares de sua discografia.
A saída de Uli Jon Roth logo após o lançamento encerra uma era e reforça a sensação de que este é um documento histórico de um momento irrepetível. Taken by Force não é apenas um excelente disco: é um retrato de um grupo se reinventando em tempo real, no limite entre arte pura e ambição massiva. E poucas bandas registraram essa transição com tanta intensidade.
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