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Um passo fora do óbvio: V (1991) e a maturidade da Legião Urbana


V
(1991) ocupa um lugar peculiar e muitas vezes incompreendido na discografia da Legião Urbana. Vindo na sequência direta de As Quatro Estações (1989), um dos maiores sucessos comerciais da música brasileira, o álbum soa menos como uma tentativa de continuidade e mais como um gesto deliberado de ruptura. Aqui, a banda desacelera, fecha-se em si mesma e entrega um disco introspectivo, denso e, em vários momentos, desconfortável.

O Brasil atravessava um período de instabilidade econômica e Renato Russo vivia uma fase pessoal extremamente delicada. Essas tensões não aparecem de forma explícita ou panfletária, mas permeiam todo o álbum, seja na atmosfera melancólica, seja na sensação constante de desgaste emocional. V não busca catarse fácil nem refrões feitos para o rádio: ele exige tempo, atenção e disposição do ouvinte.

Trata-se de um dos trabalhos mais ousados da Legião. As canções se estendem, os arranjos ganham camadas pouco usuais e há uma clara intenção de explorar climas quase épicos, por vezes solenes. “Metal Contra as Nuvens”, com seus mais de 11 minutos divididos em movimentos, é o exemplo mais evidente: uma peça longa, fragmentada, que alterna tensão, melancolia e momentos de contemplação. Já “A Ordem dos Templários” flerta com referências medievais de forma explícita, algo impensável nos primeiros discos do grupo.


Isso não significa abandono completo da canção direta. Faixas como “O Teatro dos Vampiros” e “Vento no Litoral” mantêm a habilidade melódica e lírica de Renato Russo, mas agora filtradas por um olhar mais cansado, menos idealista. O romantismo ainda está ali, porém sem ilusões. Algo mais próximo da resignação do que da esperança.

Na época do lançamento, V teve recepção dividida. Vendeu menos que o disco anterior e frustrou parte do público que esperava uma nova coleção de hinos geracionais. Com o distanciamento do tempo, no entanto, o álbum revela sua força justamente onde antes parecia frágil: na recusa em agradar. É um trabalho que soa coeso em sua proposta, fiel ao momento vivido pela banda e, sobretudo, honesto.

V definitivamente não é um disco de entrada para a Legião Urbana, mas é um dos mais reveladores. Ele mostra uma banda madura, consciente de seus limites e disposta a explorá-los até onde fosse possível, mesmo que isso significasse perder parte do público pelo caminho. O álbum permanece como um registro incômodo, sombrio e profundamente humano. E talvez por isso mesmo continue tão relevante.

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