Publicado originalmente no Japão entre 1996 e 1998, Old Boy é uma obra intensa, sombria e profundamente humana. Criada por Garon Tsuchiya (roteiro) e Nobuaki Minegishi (arte), a série ganhou notoriedade mundial após a aclamada adaptação para o cinema dirigida por Park Chan-wook em 2003. Mas o mangá original trilha caminhos diferentes — mais contidos, mais silenciosos e igualmente devastadores.
A trama acompanha Shinichi Gotō, um homem comum que, sem nenhuma explicação, é sequestrado e mantido em cativeiro por dez anos, isolado do mundo. Quando finalmente é libertado, ele parte em busca de respostas: quem o prendeu? Por quê? O que sua antiga vida ainda significa? Aos poucos, ele descobre que tudo está ligado ao passado — mais especificamente, a um antigo colega de escola que arquitetou o sequestro e a prisão como forma de vingança por algo aparentemente banal: o fato de Gotō ter esquecido que ele existia. A ausência de lembrança foi uma ferida psíquica irreparável. A vingança, então, não é por um crime cometido, mas por uma aniquilação simbólica da identidade.
Esqueça reviravoltas mirabolantes ou violência estilizada. Old Boy constrói sua tensão de forma meticulosa, apoiado em diálogos densos, ritmo controlado e um embate emocional constante entre dois homens que representam lados opostos da experiência humana: a reconstrução e a destruição.
O roteiro de Tsuchiya é seco e direto, mas cheio de subtextos. Ele propõe uma reflexão amarga sobre memória, identidade, culpa e perdão. Com um estilo realista e sóbrio, Minegishi foge dos exageros visuais comuns em muitos mangás. Seu traço é limpo, expressivo e funcional. A narrativa visual é elegante: os enquadramentos são bem pensados, os silêncios são carregados de tensão, e os pequenos gestos revelam mais do que longos monólogos. Minegishi não busca beleza ou estilo — ele busca clareza emocional. Seus personagens têm olhares cansados, rugas, marcas do tempo. Isso dá à história uma veracidade emocional que intensifica o desconforto do leitor. É um trabalho de arte sutil, mas extremamente eficaz.
Lançada em três volumes encorpados, a edição da Comix Zone é a melhor versão da obra publicada no Brasil – o título havia saído por aqui antes pela editora Nova Sampa, entre 2013 e 2014. Cada um dos volumes publicados pela Comix Zone varia entre 600 e 500 páginas (são ao todo 1.664 páginas), traz capa com sobrecapa, papel pólen bold de excelente qualidade, marcadores de páginas e tradução fluida de Luís Linaneo. Esta republicação de Comix Zone foi pensada tanto para leitura quanto para coleção, e o resultado é uma história que cativa aliada a um apelo visual e estético que encanta. É uma edição feita para durar, para ser relida, revisitada e debatida.
O desfecho do mangá é muito diferente do que se viu no cinema. Não há incesto, hipnose ou reviravoltas grotescas. Em vez disso, o que temos é uma vitória silenciosa e moral. Ao confrontar seu oponente e descobrir o motivo por trás da vingança, Gotō se recusa a reagir com ódio. Ele não entra no jogo do inimigo. Não mata, não se vinga, não desce ao mesmo nível. E essa escolha ética, essa humanidade preservada, é o que desmonta completamente o antagonista, pois seu plano perde todo o sentido. Gotō não recupera o tempo perdido — mas recupera a si mesmo. E isso basta.
Por que ler Old Boy? Porque é uma história de crime que fala sobre a alma. Porque lida com violência sem glorificá-la. Porque mostra que os maiores conflitos não são físicos, mas internos. Porque é um thriller que não subestima o leitor. E porque, mesmo falando sobre vingança, Old Boy termina falando sobre resiliência, reconstrução e compaixão.
Se você busca um mangá adulto, psicológico e instigante, e que vai muito além do entretenimento, Old Boy é leitura obrigatória.
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