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Entre o peso e a melodia: o equilíbrio perfeito do Kiss em Rock and Roll Over (1976)

Depois da consagração com Alive! (1975) e o sucesso comercial de Destroyer (1976), o Kiss estava em um momento decisivo. O disco ao vivo havia salvado a banda da falência e transformado os quatro mascarados em fenômeno popular. Já Destroyer , produzido por Bob Ezrin, trouxe uma sonoridade mais elaborada e experimental. Parte do público amou o refinamento, mas outra sentiu falta do peso direto e da crueza que caracterizavam os primeiros álbuns. Foi justamente para reconquistar essa parcela que o Kiss gravou Rock and Roll Over . Lançado em novembro de 1976, o disco marcou um retorno às raízes: gravações mais simples, guitarras na linha de frente e uma produção que capturava o espírito de uma banda tocando em um pequeno estúdio. O comando ficou novamente com Eddie Kramer, que já havia trabalhado com a banda em Alive! . Kramer entendeu o que o Kiss precisava: som cru, alto e direto. Para isso, montou o estúdio dentro de um teatro abandonado em Nanuet, Nova York, aproveitando a acústica...
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Mais metal que progressivo: a virada pesada do Dream Theater em Train of Thought (2003)

Depois do sucesso artístico e técnico de Six Degrees of Inner Turbulence (2002), o Dream Theater sentiu a necessidade de mudar de direção. O progressivo épico e grandioso do disco anterior cedeu espaço a algo mais direto, sombrio e pesado. Train of Thought , lançado em novembro de 2003, nasceu dessa vontade de explorar os limites entre o metal progressivo e o metal puro — um álbum que soava como se o Metallica tivesse decidido estudar contrapontos com o Rush. A decisão partiu de Mike Portnoy e John Petrucci, que, durante as turnês de Six Degrees , perceberam que as partes mais pesadas provocavam a resposta mais intensa do público. O resultado foi o álbum mais sombrio e agressivo da carreira do Dream Theater, composto praticamente em um único fluxo criativo, algo que se reflete na coesão e na densidade do material. Gravado em pouco mais de três semanas, Train of Thought é o disco onde a banda mais se aproxima do metal tradicional, sem abrir mão da precisão técnica que sempre a defin...

Morbid Visions (1986): Sepultura e o nascimento do metal extremo brasileiro

Quando o Sepultura lançou Morbid Visions em 1986, o Brasil era outro. O país saía lentamente da ditadura militar, o metal extremo ainda engatinhava por aqui e as gravações independentes eram feitas com recursos precários e muita vontade. Em meio a esse cenário, quatro garotos de Belo Horizonte – Max e Igor Cavalera, Jairo Guedz e Paulo Xisto – deram origem a um dos discos mais crus, violentos e influentes da história do metal brasileiro. Gravado em apenas dois dias em Belo Horizonte, Morbid Visions é o retrato de uma banda que ainda estava aprendendo a tocar, mas já transbordava atitude. O som é caótico, a produção é amadora e o inglês é quase ininteligível – mas nada disso importa. A energia que sai das faixas é tão intensa e autêntica que o álbum se tornou um marco. O Sepultura ainda não era o gigante que conquistaria o mundo, mas aqui já estava plantada a semente da revolução. As influências são claras: Venom, Hellhammer, Celtic Frost e Possessed. A iconografia satânica e o so...

Uma antologia irregular, mas essencial: o retorno da Metal Hurlant ao Brasil (2025, Mythos Editora)

Há nomes que carregam peso histórico. Metal Hurlant é um deles. Criada em 1975 por Jean Giraud (Moebius), Jean-Pierre Dionnet e Philippe Druillet, a revista revolucionou a linguagem dos quadrinhos ao fundir ficção científica, filosofia e erotismo com uma estética ousada e adulta. Quase meio século depois, a Mythos Editora resgata esse espírito com uma edição que chega imponente: 396 páginas em formato grande e acabamento luxuoso, reunindo as histórias dos volumes 1 e 2 lançados pela Humanoids nos Estados Unidos em 2011. Antes de tudo, é importante entender o que temos aqui. Não se trata de uma reedição direta da Metal Hurlant  francesa clássica dos anos 1970, mas sim da fase moderna publicada entre 2002 e 2004, um revival que tentou reinterpretar o conceito original com autores contemporâneos de diferentes países. A Mythos reuniu esse material num único tomo, o que significa que, em termos de conteúdo, estamos diante da mesma coletânea lançada pela Humanoids no início da década ...

AC/DC esgota três shows no Brasil e mostra que o rock não morreu — mas também que não é para todos

Depois de 16 anos longe do país, o AC/DC anunciou três apresentações em São Paulo como parte da Power Up Tour , marcadas para 24 e 28 de fevereiro e 4 de março de 2026, no MorumBIS. Em poucas horas, os ingressos evaporaram. A notícia percorreu o mundo e trouxe de volta uma velha discussão: afinal, o rock morreu? Se depender da resposta dos fãs, definitivamente não. Mesmo com preços que variavam de R$ 675 (meia de pista) a R$ 1.590 (inteira nos setores mais próximos), sem contar taxas, transporte e hospedagem, os ingressos sumiram rapidamente — muitos para as mãos de cambistas e revendedores, que, como sempre fazem, devem passar a pedir valores muito acima do original nos próximos dias. O que deveria ser uma celebração do retorno ao Brasil de uma das maiores bandas de todos os tempos acabou evidenciando o lado perverso do novo mercado de shows: a música ainda emociona, mas o acesso se tornou privilégio. O Brasil é potência — mas o rock virou luxo Segundo o relatório PwC/Live Entertainme...

Como 90125 (1983) salvou o Yes e levou o progressivo às paradas de sucesso

Quando o Yes lançou 90125 em novembro de 1983, o mundo do rock progressivo já era outro. As paisagens sonoras elaboradas dos anos 1970 haviam perdido espaço para a objetividade das rádios FM e para a estética visual da MTV. Bandas antes sinônimo de virtuosismo precisavam se reinventar para sobreviver — e poucas fizeram isso com tanta ousadia e sucesso quanto o Yes. O álbum nasceu de uma ideia que, ironicamente, não era originalmente do Yes. Após o fim da banda no início da década, o guitarrista Trevor Rabin planejava um novo projeto chamado Cinema, ao lado do baterista Alan White e do baixista Chris Squire. A  entrada de Tony Kaye e, posteriormente, do vocalista Jon Anderson, acabou transformando o grupo em uma nova encarnação do Yes. A mudança de nome foi uma decisão estratégica da gravadora: usar o peso da marca para alavancar o lançamento. Mas o som, esse sim, era radicalmente diferente. Produzido por Trevor Horn (ex-Buggles e responsável pelo subestimado Drama de 1980, em...

Tiktaalika em Gods of Pangaea (2025): Charlie Griffiths reafirma sua força criativa fora do Haken

Charlie Griffiths já havia deixado claro, no primeiro álbum de seu projeto Tiktaalika, que sua intenção era escrever uma carta de amor ao metal clássico filtrada pela visão de um guitarrista habituado às complexidades progressivas do Haken. Em Gods of Pangaea (2025) , essa carta ganha nova tinta: mais direta, mais agressiva e, ao mesmo tempo, mais coesa. O disco consolida o Tiktaalika como algo muito além de um simples projeto paralelo. É um espaço em que Griffiths revisita as raízes do metal e as reconstrói com a precisão e o bom gosto de quem conhece profundamente o ofício. O álbum surge num momento interessante da carreira do guitarrista e da própria cena progressiva. Depois de anos imersos em experimentações e técnica, músicos como Griffiths parecem dispostos a retomar o contato com a essência — riffs fortes, refrães marcantes e estruturas que, mesmo sofisticadas, não perdem o senso de impacto. Gods of Pangaea abraça esse espírito: é um disco que privilegia o riff e o gancho, se...

Diary of a Madman (1981): o testamento sonoro de Ozzy Osbourne e Randy Rhoads

Diary of a Madman (1981) é um dos pilares não apenas da carreira solo de Ozzy Osbourne, mas de todo o heavy metal dos anos 1980. O disco sucedeu o sucesso explosivo de Blizzard of Ozz (1980) e consolidou a nova fase do vocalista após sua conturbada saída do Black Sabbath. Se o álbum anterior provava que Ozzy podia caminhar sozinho, Diary of a Madman mostrou que ele podia voar — e o fez em meio a demônios internos, tragédias e genialidade. Gravado com a mesma formação do disco de estreia — Ozzy nos vocais, Randy Rhoads nas guitarras, Bob Daisley no baixo e Lee Kerslake na bateria — o álbum foi registrado em um momento de transição. O sucesso repentino havia transformado Ozzy em uma figura novamente relevante, mas os bastidores eram instáveis. Daisley e Kerslake deixaram a banda logo após as gravações, substituídos por Rudy Sarzo e Tommy Aldridge antes da turnê, e os créditos originais foram alterados, gerando polêmicas que só seriam resolvidas décadas depois. O som do disco é a f...

Entre o fim da Guerra Fria e o auge do hard rock: Crazy World (1990), o último grande clássico do Scorpions

Crazy World (1990) marcou uma nova fase na trajetória do Scorpions. Depois da sonoridade polida de Savage Amusement (1988), a banda alemã retornou ao básico com riffs diretos, refrães fortes e uma produção mais orgânica. Foi também o primeiro disco sem o produtor Dieter Dierks desde meados dos anos 1970, com a produção agora assinada por Keith Olsen (Ozzy Osbourne, Fleetwood Mac, Whitesnake) e o próprio Scorpions. Essa mudança trouxe um ar renovado ao grupo, que parecia buscar reconectar-se à energia que o tornara gigante no hard rock dos anos 1980. O Muro de Berlim havia caído em 1989, e o mundo vivia o fim da Guerra Fria. Essa atmosfera de esperança e transformação atravessa o disco de ponta a ponta, especialmente na icônica “Wind of Change”. Escrita por Klaus Meine após uma visita a Moscou, a balada tornou-se um dos maiores hinos do período, vendendo milhões de cópias e se tornando uma das canções mais emblemáticas do rock mundial. A linha melódica e o tom de reconciliação captu...

Passengers: Original Soundtracks 1 (1995): o álbum esquecido do U2 que previu o futuro da música eletrônica

Lançado em novembro de 1995, Passengers: Original Soundtracks 1 é um dos projetos mais estranhos, desafiadores e ao mesmo tempo fascinantes da carreira do U2. O disco nasceu durante as sessões de Zooropa (1993) e foi registrado com Brian Eno, colaborador de longa data da banda e responsável por expandir seus horizontes desde The Unforgettable Fire (1984). O resultado não é um álbum convencional do U2, mas sim uma viagem experimental que rompe fronteiras entre o pop, o ambient e a música eletrônica. A ideia era simples e excêntrica: criar trilhas sonoras para filmes inexistentes. O conceito nasceu de improvisos e colagens, com Eno conduzindo o processo como um cientista sonoro e o U2 atuando como sua banda de laboratório. O material foi creditado não ao U2, mas ao Passengers, uma identidade paralela criada para marcar a ruptura com o formato tradicional de canções. O próprio título, Original Soundtracks 1 , sugeria a existência de uma continuação que nunca veio. Musicalmente, o d...