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Opus Eponymous (2010): quando o Ghost fez o inferno soar pop

Opus Eponymous marcou a chegada de uma das bandas mais intrigantes e influentes do metal do século XXI. O Ghost surgiu na Suécia como um mistério envolto em teatralidade, ocultismo e melodia. Naquele momento, o metal extremo ainda dominava o cenário escandinavo, mas o Ghost ousou trilhar o caminho oposto: resgatar a sonoridade sombria, melódica e acessível do heavy metal dos anos 1970 e início dos 1980 — com influências que vão de Blue Öyster Cult e Mercyful Fate a Black Sabbath e Alice Cooper — e embrulhar tudo em uma estética satânica e litúrgica. O álbum é curto, com pouco mais de 30 minutos, mas cada segundo é calculado com precisão quase ritualística. A produção é cristalina, o som das guitarras é quente e vintage, e os vocais suaves de Papa Emeritus contrastam com o conteúdo blasfemo das letras, criando um efeito hipnótico. A abertura com “Deus Culpa” e “Con Clavi Con Dio” já define o tom: riffs elegantes, refrões melódicos e uma atmosfera de missa negra com refrões pop. “Rit...
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O Vampiro que Ri: o clássico do ero-guro que desafia o leitor (2025, Pipoca & Nanquim)

Publicado originalmente entre 1998 e 1999, O Vampiro que Ri é uma das obras mais emblemáticas de Suehiro Maruo, artista japonês associado ao movimento ero-guro — uma vertente dos mangás que mistura erotismo, grotesco e horror psicológico, surgida na literatura japonesa dos anos 1920 e transposta para os quadrinhos nas décadas seguintes. É um universo em que a beleza e a perversão caminham lado a lado, e onde o choque não é gratuito: é uma forma de confrontar o leitor com os extremos da condição humana. A trama apresenta uma galeria de personagens distorcidos pela violência, pela exclusão e pelo desejo. A narrativa gira em torno de vampiros que vagam por uma sociedade degradada, onde a monstruosidade não é apenas física, mas moral e espiritual. Em meio a corpos dilacerados e sorrisos ensanguentados, Maruo constrói uma metáfora amarga sobre a perda da inocência, o fascínio pela destruição e a corrupção da pureza, temas recorrentes em sua obra e na tradição expressionista que o inspir...

Entre a escuridão e a luz: a viagem mística do The Cult em Love (1985)

O The Cult nasceu da transição. Entre o pós-punk e o hard rock, entre o gótico e o espiritual, entre a escuridão e a luz. Love , lançado em outubro de 1985, é o momento em que Ian Astbury e Billy Duffy encontram o ponto de equilíbrio entre o misticismo tribal que vinha do Southern Death Cult, como se chamava a primeira encarnação do grupo, e a ambição sonora de uma banda pronta para arenas. É o disco que definiu o som e a identidade do grupo. O Reino Unido ainda respirava a ressaca do pós-punk e da new wave, enquanto o hard rock americano começava a dominar as rádios. O The Cult surgiu no meio desse turbilhão, misturando a intensidade quase xamânica de Astbury com os riffs elegantes e poderosos de Duffy. Love foi o passo além de Dreamtime (1984), que ainda soava preso às sombras góticas de bandas como The Sisters of Mercy. Aqui, o som ganhou corpo, brilho e propósito. Produzido por Steve Brown, Love é uma tapeçaria sonora que mescla melodias etéreas com guitarras cintilantes e u...

Iommi (2000): o encontro do criador do heavy metal com o futuro que ele ajudou a construir

Em outubro de 2000, o nu metal dominava as paradas, o metal tradicional buscava novas formas de se conectar com o público e o Black Sabbath, embora respeitado, era visto mais como uma lenda do passado do que uma força ativa. Foi nesse cenário que Tony Iommi, o arquiteto das trevas, decidiu lançar seu primeiro álbum solo — um disco que não apenas reafirmava sua relevância, mas também mostrava o quanto sua guitarra seguia moldando o som pesado décadas depois da estreia do Sabbath. O projeto nasceu de colaborações pontuais, e o resultado é um álbum de duetos no sentido mais puro da palavra. Cada faixa traz um vocalista diferente, criando uma coleção de encontros entre o mestre dos riffs e vozes que marcaram diferentes gerações do rock e do metal. Há desde nomes lendários como o parceiro de crime Ozzy Osbourne (“Who’s Fooling Who”) e Brian May (“Flame On”, com vocais de Ian Astbury, do The Cult), até representantes da então nova geração como Billy Corgan (“Black Oblivion”) e Serj Tankian...

Ace Frehley: o Spaceman voltou para casa

Ace Frehley não era apenas o guitarrista original do Kiss. Era o Spaceman — o homem que veio do espaço para ensinar ao mundo que rock é energia, atitude e mistério. Agora, em 16 de outubro de 2025, ele partiu de volta para o cosmos, encerrando uma das jornadas mais icônicas e inspiradoras da história do rock. Nascido Paul Daniel Frehley em 1951, no Bronx, ele cresceu entre guitarras baratas, discos riscados e sonhos elétricos. Quando cruzou o caminho de Gene Simmons, Paul Stanley e Peter Criss, o destino se alinhou como uma constelação. Em 1973, nascia o Kiss — e com ele, um dos maiores espetáculos que a música já viu. Ace trouxe à banda algo que ninguém mais poderia oferecer: o som do espaço. Seus riffs cortantes, os solos que pareciam explodir em luz, o timbre inconfundível que misturava sujeira, melodia e carisma. Ele não era um virtuose clássico, mas era puro sentimento. Tocava com alma, com coração, com aquele toque imperfeito que faz a música respirar. “Shock Me”, “Cold Gin”, ...

Õ Blésq Blom (1989): o delírio criativo dos Titãs que definiu uma era no rock brasileiro

Depois do impacto brutal de Cabeça Dinossauro (1986) e da melancolia urbana de Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), os Titãs mergulharam ainda mais fundo na experimentação. O resultado foi Õ Blésq Blom (1989), um álbum que misturou rock, reggae, punk, música nordestina, poesia marginal e colagens sonoras com a liberdade de quem não devia satisfação a ninguém. Na virada da década de 1980 para os anos 1990 o rock brasileiro vivia seu auge comercial, mas também começava a mostrar sinais de desgaste. O país saía da década perdida, e a democracia recém-conquistada respirava entre incertezas e contradições. Dentro dessa atmosfera caótica, os Titãs responderam com um disco que soa como uma transmissão de um Brasil real, dissonante e surreal. Gravado com produção de Liminha, Õ Blésq Blom levou a inventividade dos Titãs ao limite. O título vem da expressão de Mauro e Quitéria, dois cantadores pernambucanos que abrem o álbum com uma gravação rudimentar — uma fita cassete que...

’74 Jailbreak (1984): o resgate de quando o AC/DC ainda soava como uma banda de bar

O sucesso estrondoso de Back in Black (1980) e a boa recepção de For Those About to Rock (We Salute You) (1981) haviam colocado o AC/DC entre os gigantes do rock mundial, mas o começo dos anos 1980 também trouxe um desafio: como manter a relevância depois de atingir o topo? Foi nesse contexto que surgiu ’74 Jailbreak , um EP curioso — e muitas vezes subestimado — dentro da discografia dos australianos. Lançado entre Flick of the Switch (1983) e Fly on the Wall (1985), o disco não traz material novo, mas sim cinco faixas gravadas ainda na era Bon Scott, nunca antes lançadas fora da Austrália. A ideia era simples: apresentar ao público internacional um pedaço do AC/DC do início, quando a banda ainda soava mais crua, direta e com forte influência do blues e do rock de garagem. O título vem da faixa “Jailbreak”, originalmente presenta na versão australiana do álbum Dirty Deeds Done Dirt Cheap (1976). É um clássico absoluto, com um dos riffs mais emblemáticos de Angus Young e uma n...

O nascimento da identidade dos Engenheiros do Hawaii em Longe Demais das Capitais (1986)

Em 1986, o rock brasileiro vivia um dos seus auges criativos. A geração que definiria a década — Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Plebe Rude — já dominava rádios, programas de TV e corações adolescentes. O Engenheiros do Hawaii chegou nesse cenário com Longe Demais das Capitais , um disco que parecia, à primeira vista, deslocado no tempo e no espaço. Mas foi justamente esse deslocamento — geográfico, estético e lírico — que deu à banda gaúcha uma identidade própria e duradoura. Formado em Porto Alegre, o trio de Humberto Gessinger (baixo e vocais), Carlos Maltz (bateria) e Augusto Licks (que ainda não estava na formação inicial do disco, mas se tornaria essencial nos anos seguintes) estreou apostando em letras cerebrais e ironicamente existenciais, embaladas por um som que mesclava a new wave e o pós-punk com a melancolia do sul do país. Na época, Gessinger ainda respondia pela guitarra, enquanto Marcelo Pitz era o baixista – ele sairia logo depois, levando...

Shintaro Kago e o colapso da narrativa: um mergulho em Dano Cerebral (2025, Comix Zone)

Shintaro Kago é um desses autores que parecem existir fora do tempo. Seu trabalho habita uma zona onde o grotesco, o humor e o absurdo colidem em espasmos de genialidade e desconforto. Em Dano Cerebral , publicado no Brasil pela Comix Zone, o artista japonês reúne quatro histórias curtas — Labirinto em Quatro, Quarto Amaldiçoado, Retrato de Família e Colheita de Sangue — que condensam tudo o que faz dele uma figura tão única dentro do mangá contemporâneo. Conhecido como um dos expoentes do ero-guro nansensu (termo que combina erotismo, grotesco e nonsense), Kago bebe da mesma fonte que autores como Suehiro Maruo e Toshio Saeki, mas sua abordagem é mais metalinguística e caótica. Enquanto Maruo evoca o erotismo decadente e o fetichismo da morte, Kago prefere o labirinto: desmonta o corpo humano, a narrativa e até a lógica visual da página, como se cada quadrinho fosse uma autópsia do próprio mangá. As quatro histórias de Dano Cerebral funcionam quase como variações sobre um mesm...

O crepúsculo dos heróis: Power of the Dragonflame (2002) e o adeus ao velho Rhapsody

Power of the Dragonflame (2002) marcou o fim de uma era para o Rhapsody — ou, como a banda gostava de se autodenominar na época, The Kings of Hollywood Metal . O disco encerra a saga épica Emerald Sword , uma história de fantasia heroica que se estendeu por cinco álbuns e se tornou a espinha dorsal da identidade do grupo italiano. É também o ponto culminante da estética que eles vinham construindo desde Legendary Tales (1997): uma fusão grandiosa entre o power metal neoclássico e a trilha sonora cinematográfica de proporções wagnerianas. O Rhapsody surgiu no final dos anos 1990 como uma resposta barroca ao metal europeu — uma banda que ousava ser mais teatral, mais melódica e mais fantasiosa do que qualquer uma de suas contemporâneas. Sob o comando do guitarrista e compositor Luca Turilli e do tecladista Alex Staropoli, o grupo elevou o conceito do metal sinfônico a níveis de exagero quase operístico. Power of the Dragonflame leva isso ao limite, mas o faz com uma convicção tão i...