Castiga!: o primeiro, único e belo disco do Titus Groan


Por Marco Antonio Gonçalves
Colecionador

A capa com ilustração horripilante pode até causar um calafrio dos diabos, mas a música que sai dos sulcos é uma maravilha só. Lançado originalmente em outubro de 1970 pela Dawn Records, o álbum do Titus Groan é dessas obscuridades musicais que fazem com que este bolha sinistro continue vagando pelos sebos em busca de raridades discográficas perdidas no tempo. Ostentando um nome estranho retirado da literatura gótica (é o título do primeiro livro da trilogia de Gormenghast, de Mervyn Peake, publicado em 1946), este misterioso grupo do Reino Unido durou menos de um ano, tempo suficiente para produzir este único e excelente registro.

Em apenas cinco faixas o quarteto mostra toda a sua criatividade e ousadia nas instrumentações. Composições alucinantes tocadas de forma magistral pelos músicos Stuart Cowell (guitarra, teclados e vocais), Tony Priestland (sax, flauta, oboé e sopros em geral), John Lee (baixo) e Jim Toomey (bateria e percussão). O som denota certa aura medieval, agregando elementos do folk, rock progressivo, hard rock e jazz rock. Nada menos que intrincadas maquinações sonoras dissolvidas em arranjos envolventes e melodias apuradas, criando momentos de puro deleite musical.

Temas como as estilosas "It Wasn’t For You" e "I Can’t Change", ou ainda a magnífica suíte "Hall of Bright Carvings" (título do primeiro capítulo do livro que batizou a banda), indicam uma irrefutável afinidade sonora com grupos britânicos de mesma linhagem como Jethro Tull, Caravan, Colosseum, Traffic ou East of Eden. O entrosamento e a inventividade dos músicos envolvidos impressionam. É notável a interação entre os fraseados de guitarra e os instrumentos de sopro, sem falar no audacioso trabalho percussivo e nas sutis passagens de órgão com texturas medievais.

Outra faixa indispensável é a agradável "It´s All Up With Us", com linha melódica e sonoridade mais acessíveis do que nas outras composições, muito por conta da levada mais pop e da bela harmonização vocal da trupe. No contexto geral, uma sonzeira esquecida no tempo e entregue aos garimpeiros do universo bolha, colecionadores de raridades vinílicas e alienígenas de internet atentos a downloads empoeirados.

Capa do livro de Mervyn Peake, o primeiro da trilogia de Gormenghast

Logo após o lançamento do disco – e em meio a críticas elogiosas da imprensa britânica – a gravadora Dawn promoveu um giro do Titus Groan pela Inglaterra com a participação de outros grupos do seu cast, os não menos obscuros Demon Fuzz, Comus e Heron. Tenebrosamente, a tour foi um fracasso colossal e menos de um ano após a sua fundação a banda encerrou as atividades. Seus integrantes simplesmente desapareceram do mapa musical, mas ao menos deixaram esta raridade pelo caminho.

Quando em 2000 a Get Back relançou esta pérola perdida, não hesitei e adquiri uma cópia em vinil 180 gramas, prensagem italiana, capa dupla e com três faixas bônus: uma versão de "Open the Door, Homer" de Bob Dylan, a belíssima "Woman of the World" e
el grude sônico para estalar los dedos chamado "Liverpool". Estas três músicas foram soltas em um maxi-single pela Dawn em 1970, poucos dias antes do lançamento do álbum homônimo da banda. Vale lembrar que nenhuma delas foi incluída no play original. Taí um clássico empoeirado absoluto. E agora, aditivado.

Comentários

  1. Muito louco esse disco! acho interessante que o começo dos anos 70 tinha uma diversidade musical inigualável, nem mesmo a linguagem rock progressivo estava plenamente desenhada e todos os grupos pareciam atirar (quase sempre certeiramente) pra todos os lados possíveis!
    Ronaldo

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  2. Não consegui ouvir o disco, pois o arquivo que o Marcão postou está corrompido para mim. Mas vou dar uma pesquisada e conferir o som, que, pela descrição, me interessou bastante.

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