Ronnie James Dio foi o Frank Sinatra do heavy metal


Por Regis Tadeu
Colecionador e Jornalista
(matéria publicada originalmente no Yahoo! Brasil)

A voz. Aquela voz. A primeira vez que a ouvi foi quando comprei, aos quinze anos de idade, o primeiro disco solo de um de meus guitarristas favoritos. Naquela época, sem acesso às revistas importadas e sem imaginar que um dia teríamos algo parecido com a internet, a gente sabia que Ritchie Blackmore havia saído do Deep Purple, que o grupo tinha recrutado o Tommy Bolin para substituí-lo e só. Mais nada.

Até que um dia, visitando a loja de discos onde eu sempre comprava meus LPs, vi na prateleira, extasiado, que havia sido lançado um disco chamado Ritchie Blackmore’s Rainbow, com uma capa que misturava em um único desenho o castelo – que representava o início de sua paixão pela música renascentista – e a guitarra que ele empunhava com tanta genialidade naqueles tempos.

Comprei o disco e voltei correndo para casa para ouvi-lo. Foi então que a surpresa se tornou ainda mais agradável quando os primeiros sulcos de “Man on the Silver Mountain” começaram a ser percorridos pela agulha de meu velho toca-discos. Quem era aquele cara que cantava com potência e certa rouquidão? Quem era aquele sujeito que não imitava o David Coverdale e muito menos o Ian Gillan? De onde havia surgido aquele baixinho que parecia contar uma história em cada canção daquele disco? A cada faixa que ouvia, o tal cara – chamado Ronnie James Dio – desfilava interpretações tão intensas, injetando sensações perfeitas para cada canção – tensão em “Self Portrait”, safadeza em “Black Sheep of Family” e “If You Don’t Like Rock n’ Roll”, suavidade sofrida nas lindas baladas “Catch the Rainbow” e “Temple of the King” e uma quase arrogância em “Snake Charmer” e “Sixteenth Century Greensleves” -, que transformavam o disco em uma escancarada “carta de intenções” do que Blackmore viria a fazer no futuro e que também explicavam porque o temperamental guitarrista tinha abandonado a sua famosa banda.

Um ano depois, outra surpresa, só que em proporções interplanetárias. Um segundo disco de Blackmore, Rising, agora apenas ostentando o nome da banda – Rainbow – e com uma capa ainda mais espetacular. Fiz o mesmo que o ano anterior: comprei o LP e voltei correndo para casa, ansioso para ouvir uma “continuação” do primeiro álbum. Inadvertidamente, coloquei o lado B para tocar inicialmente e… e… e… O que veio a seguir foi uma sensação inédita. “Stargazer” trazia uma inacreditável sequência de viradas alucinantes de um novo baterista – um tal de Cozy Powell -, um riff épico de Blackmore e… aquela voz! Só que agora carregada de uma dramaticidade que eu e toda a minha geração jamais havíamos ouvido até então! Ronnie James Dio cantava com tamanha intensidade que éramos capazes de visualizar imagens que retratavam – literalmente ou não – aquilo que ouvíamos saindo dos alto-falantes de nossos precários equipamentos de som. O massacre era completado pelas monstruosas “Light in the Black”, “Tarot Woman”, “Starstruck” e outras. Quando terminei de ouvir o disco, meu cérebro havia escorrido pelas orelhas.

Daí para frente, Dio se tornou uma unanimidade quando alguém falava em “cantor de rock”. Sua reputação terminou de ser sedimentada quando saiu Long Live Rock n’ Roll. O disco era um apanhado das sonoridades dos discos anteriores – “Lady of the Lake”, “Gates of Babylon” e a espetacular “Kill the King” poderiam ter sido incluídas no Rising, enquanto que “L.A. Conection” e “Sensitive to Light” cairiam como uma luva no disco de estréia -, mas havia um “corpo estranho” ali, algo que estava muito além da proposta do disco, algo que, inconscientemente, dava uma pista do que iria acontecer com Dio no futuro: “The Shed” trazia o baixinho cantando com ira, como se estivesse em uma batalha contra seus demônios internos.

Um belo dia, visitando novamente a minha loja de discos favorita, outro choque. Já sabíamos que Ozzy Osbourne tinha saído do Black Sabbath e supúnhamos que a banda jamais iria conseguir sobreviver sem ele. Mas ali, na vitrine, estava um novo disco da banda, com três anjos fumando!!! “Ué, o Ozzy voltou com a banda? Legal!” Ao segurar o disco nas mãos e olhar a contracapa, eu simplesmente não pude acreditar: ali, desenhado, ao lado dos outros integrantes, estava ele: Dio!!! Mas como???

Ainda hoje não consigo externar em palavras a sensação de ouvir a sequência “Neon Knights”, “Children of the Sea”, “Lady Evil” e “Heaven and Hell”. Agora mesmo, no exato momento em que escrevo estas palavras, surge em minha mente a imagem de meu quarto e meu toca-discos. Da mesma forma, o impacto causado por Mob Rules – ainda sinto arrepios na espinha quando ouço aquele trecho acelerado no meio de “Falling Off the Edge of the World” –, o melhor disco que Dio gravou com os caras.

Com o passar dos anos, meu gosto musical acabou se expandindo em outras direções e atingindo vertentes muito diferentes. Mesmo assim, nunca deixei de acompanhar o que acontecia no heavy metal e, ao contrário de muita gente daquela época, muito menos reneguei as bandas que adorava em minha adolescência. Continuei comprando uma cacetada de discos legais do estilo, e era nesta categoria que Dio se enquadrava. Comprei cada disco que ele lançou. Ouvi com atenção até mesmo seus álbuns mais fracos – como o Lock Up the Wolves – e ignorados por todos, como o Master of the Moon. Fiz isso porque sabia que mesmo que determinadas canções fossem menos inspiradas, nelas estaria aquela voz, que dava credibilidade até mesmo quando a criatividade do baixinho estava meio grogue, talvez porque ele tenha percebido em determinado momento da carreira que estava preso a um som e a uma imagem dos quais jamais poderia ser dissociado.

O título desta coluna resume tudo o que penso a respeito de Dio. Não chorei sua morte como se fosse um parente ou amigo íntimo. Não lamentei sua partida como um fã que acabou de perder um ídolo. Muito menos fiquei indignado quando colegas de profissão se meteram a criar polêmicas gratuitas para chamar a atenção. Quando a gente passa a trabalhar no jornalismo musical, aprende a se distanciar desse tipo de emoção e percebe que um rockstar é um sujeito como outro qualquer, com suas virtudes e seus defeitos.

Por isso, a única coisa que posso fazer neste exato momento é colocar minha mão direita na tradicional posição “metal horns” e sussurrar “Muito obrigado por ter feito parte de minha vida, mestre”.

Comentários

  1. Texto emocionante. Podem falar o que quiser do Régis, mas quando ele quer, ele escreve ótimos textos. Long Live Dio!

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  2. Mairon, o Régis é gente boa, entende muito de música e escreve de maneira excelente.

    É por aí mesmo.

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  3. Que baita texto! Emocionante demais, descrevendo com precisão a jornada que todos nós, de uma forma ou de outra, fizemos um dia na vida, não necessariamente com Dio especificamente, mas com algum membro desta grande família que é o nosso amado Rock And Roll.
    Nota 9,8! (Não leva 10 pois não acho o Mob Rules o melhor disco do Sabbath com Dio, mas isso é questão de gosto...)

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  4. Belo texto! Eu gosto dos textos que o Regis escreve, esse cara é muito engraçado. Ele deve ter se referido àquele jornalista André Forastiere que escreveu aquela babozeria sobre o Dio. E pra quem acha que o Regis não curte Heavy Metal esta aí a prova contraditória cabal.- Luciano

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  5. Tai,vao me perdoar mas esse Regis Tadeu em certos momentos eh um babaca q poe seu gosto pessoal acima de tudo e de todos.Nem leio mais nada desse cara depois q esse pobre coitado fez um comentario extremamente infeliz sobre o Roger Hodgson,dizendo q o Supertramp era superchato e q o Roger foi demitido da banda.tsc tsc tsc,o Roger Hodgson,vocalista principal e compositor principal do Supertramp foi demitido da banda!!!!????Ou seja,so falou asneira do comeco ao fim.Regis Tadeu,to fora.Os caras q escrevem aqui sao muito melhores do q ele,o Mairon Machado entao,da de 1 milhao a zero nele.

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  6. Poxa Old School, fico muito grato pelo seu comentário. Um forte abraço e adoraria ter metade do conhecimento do Régis Tadeu. Muito obrigado pelo elogio! Estou sem palavras!

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  7. Nao ha de q,Mairon.Quando o texto eh seu sempre tenho certeza de q vem boa leitura e muito conhecimento acompanhado de bom senso.Nao questiono o conhecimento do Regis,apenas acredito q ninguem tem o direito de,por exemplo,chamar os fans do Manowar de Ze Ruela.Tambem detesto o Manowar,mas isso nao me habilita ofender os fans de determinada banda,coisa q eu nunca vi vc ou os outros redatores daqui fazendo.Mas nao quero criar polemica nem confusao por aqui,por isso comecei meu post pedindo desculpas pela minha opiniao.Mas ao inves de ler o q o Regis pensa sobre o Supertramp,eu prefiro ouvir o Paris,musica da melhor qualidade q logicamente nao eh pra todos os gostos.1 abraco.

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  8. Paris é um discaço. E o Régis é um cara polêmico mesmo, mas gente boa.

    Abraço, e continue acompanhando o site, Old School.

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