O que uma professora de canto diria a algumas das mais famosas vozes do heavy metal?


(matéria publicada originalmente no Invisible Orange, e traduzida pelo Imprensa Rocker)

Se você é um canto, deveria estar seguindo o blog de Claudia Friedlander. A professora de canto, que mora em Nova York, dá sábios conselhos não apenas para cantores de todos os tipos, mas também para músicos e pessoas em geral.

Apesar de pelo menos um de seus alunos cantar metal, Friedlander não sabe nada sobre o gênero. Nós imaginamos o que ela pensaria de alguns dos mais clássicos cantores de heavy metal – a base do estilo. É raro encontrar alguém que não esteja familiarizado com nenhum destes vocalistas. Sua perspectiva seria única, livre de uma bagagem cultural.

Nós enviamos a ela cinco canções não identificadas e seus comentários seguem abaixo. Também incluímos as reações iniciais, enviada para nós assim que ela escutou as faixas.

Bruce Dickinson
Iron Maiden: “The Number of the Beast” (1982)

Primeira reação: “Os dois primeiros caras são tão impecáveis que apresentam, cada qual a seu jeito, um manifesto de como cantar bem, independente de gêneros musicais”.

Não tenho nada que não seja admiração por este cantor. Ouçam como ele começa com um suave rosnado, e então muda sem problemas para um som alto e cheio, com bastante sustain, que evolui sem esforço a um longo grito! Sua dicção é facilmente inteligível, independentemente do que está cantando e do efeito que busca. Ele consegue cantar as letras de forma ritmicamente intensa sem perder a liga e a dinâmica musical, algo que muitos cantores clássicos lutam para conseguir, especialmente quando interpretam os vários “staccato” e acentuações que misturam os registros de Bellini, Donizetti, etc.

Há uma intensidade visceral e dramática conduzindo esta performance. Muitos vocalistas de rock e metal são tenores que alcançam tons muitos mais altos e por muito mais tempo do que os requisitados pelos tenores de ópera. E não é apenas o microfone que torna isto possível. Estes caras estão cantando com tudo que têm e com um comprometimento incrível. A intenção é uma coisa muito poderosa.

Notem a “irritação” que ocasionalmente colore seu som. Este é um efeito totalmente diferente de uma tensão – toda sua laringe e garganta precisam estar completamente soltas e livres para responder deste jeito. Em alguns dos exemplos a seguir, vocês escutarão cantores fazendo suas vozes soarem deliberadamente mais fracas, estridentes, anasaladas ou rudes. Se eles sabem o que estão fazendo, podem fazer todos estes efeitos sem resistências ou problemas. Você pode ver a diferença da mesma forma que faria com um cantor clássico – o canto livre é como uma massagem, enquanto que o canto específico faz você apertar a própria garganta.

Ronnie James Dio
Black Sabbath: “Falling Off the Edge of the World” (1981)

Este é mais um ótimo vocalista. Sua voz é tão naturalmente ressonante – ele me lembra Freedie Mercury. Assim como o primeiro cantor, ele canta com um “ligado” perfeito, dicção clara e vibração orgânica e consistente. Ele organiza seu espaço de ressonância para criar um leve rosnado, sem apresentar qualquer resistência à sua respiração. Você pode perceber o quão saudável é sua performance, através da forma em que ele entra e sai de breve momentos de harmonia com entonação impecável.

King Diamond
Mercyful Fate: “Gypsy” (1984)

Reação inicial: “Há alguns inoportunos truques de estúdio que me fizeram pensar que havia mais de um vocalista, porque eles editaram as partes em que ele muda de um canto cheio para aquela coisa maluca de contra-tenor que ele faz (imagino que ele faça isso ao vivo o tempo todo); como ele sai de um para o outro é o que faz dele incrível, e eu quero escutá-lo mudando de um para o outro”.

Aqui está um canto impressionante. Ele começa com uma voz tenor cheia, carregada de “choros” a la “verismo”, e então muda para um tom ultra-alto em um contra-tenor bem focado, alternando estas duas abordagens ao longo da canção, algumas vezes na mesma frase. Mas não apenas eu não entendo uma única palavra que ele está dizendo, eu nem ao menos sei qual a mensagem ou emoção geral a música deveria ter. Há uma verdade que serve para a música clássica e para qualquer outro estilo: não há necessidade de sacrificar a comunicação em prol de ótimos efeitos como este. Tudo que eu ouço é virtuosidade. No início é legal, mas então fica entediante, e você não deveria se entediar ouvindo heavy metal.

Ozzy Osbourne
Black Sabbath: “War Pigs” (1970)

Reação inicial: “O quarto cara é apenas um mau canto de garganta. Minha garganta se encolheu só de escutá-lo. Quanto tempo durou a carreira dele”?

Este é um cantor com dicção decente e bons instintos musicais, mas nenhuma noção de técnicas de vocal. Ele está forçando demais as cordas vocais, enquanto deixa fluir ar suficiente para que elas consigam falar, mas sua garganta está tão forçada que não há ressonância. Sua pontuação rítmica das letras é muito perturbadora, em contraste com o primeiro vocalista, que apresentou a letra com acentuações rítmicas que se encaixaram, ao invés de tirar um pouco da fluência da música e da poesia. Minha garganta dói tanto só de escutá-lo que fiquei tentada a perguntar quanto tempo a carreira dele durou antes de sumir ou de ter necessitado uma cirurgia. Todo o espectro de seu canto está contido dentro de uma única oitava – com a exceção do momento quando ele grita “oh, Lord!” num tom mais alto, em minha opinião o único momento de canto livre em toda a música.

Rob Halford
Judas Priest: “Dreamer Deceiver” (1976)

Reação inicial: “O último cara é super talentoso e é o único no qual realmente gostaria de pôr as mãos. Ele demonstra várias técnicas loucas, mas elas não estão bem integradas. Isto não importa muito, porque ele é muito comprometido, expressivo e musical, mas eu poderia ajudá-lo a fazer melhor e mais facilmente”.

Este vocalista possui um fabuloso espectro de cores e efeitos vocais para escolher. Sua dicção é fácil de entender e seu fraseado é lindo. Ele começa em um tom tão alto, bonito e ressonante, que me surpreendi ao escutar o quão baixa sua voz verdadeira é quando ele começa a cantar desta forma. Claramente ele canta, de alguma forma, com a laringe elevada quando começa a parte alta, e mais tarde na canção, quando ele muda para um canto mais estridente ou um grito, você nota que sua laringe está numa posição muito mais alta novamente.

Os tons altos e os gritos são ótimos, mas eu acho que seria mais impactante se ele dominasse uma técnica vocal que lhe permitisse integrar melhor todas as coisas que ele faz tão bem, primeiramente com o objetivo de incorporar a profundidade e a ressonância de sua natural voz baixa às partes mais altas. Ele é o único dos cinco que eu realmente gostaria que viesse visitar meu estúdio em algum momento.

Comentários

  1. Pelo que entendi ela quiz dizer que o Rob Halford é o único que teria o que evoluir ainda. Afinal aos dois primeiros (Bruce e Dio) ela só fez elogios...

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  2. Eu já entendi que ela ficou impressionada demais com o Halford, tanto que gostaria de orientar ele a como fazer a sua voz render mais ainda - coisa que tanto o Bruce quanto o Dio dominam.

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  3. O que mais me chamou a atenção é que a professora confirma que Ozzy é um vocalista bem fraquinho.
    Deixando o lado de fã de lado, ela está certa, e o Madman sempre foi mais uma personalidade, sempre dependendo de ter excelentes músicos ao lado.

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  4. Sobre o Ozzy era de se esperar. MAs o que o Cadão falou e o que eu falei é basicamente a mesma coisa. Sobre o King Diamond ela ficou curiosa em ver ao vivo. Já vi shows que gostei e já vi shows que não foi tão bom.

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  5. Eu não gosto do timbre do King Diamond. Sobre o Halford, seria legal os caras terem mostrado algo mais recente, e não uma música de 1976, do início da carreira do Judas. Provavelmente ele corrigiu essas falhas que ela apontou.

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  6. O mesmo acontece com o Bruce Dickinson. Se fosse mandar uma música daquela época eu teria mandado Where Eagles Dare. Mas o correto era mesmo ter enviado alguma coisa mais recente de todos esses vocalistas.

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  7. Ahhh...e alguem deveria falar para ela que a carreira do Ozzy está durando 40 anos...

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  8. Ei já acho que a melhor performance vocal da carreira do Bruce está em "Hallowed be thy Name".

    Só quero ver quando o Daniel ler esse post - tá cheio de argumentos para ele endeusar ainda mais o Bruce e cair de pau em cima do Ozzy ... (risos) ...

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  9. Falar mal do Ozzy vai rolar processo dos fãs que não enxergam o óbvio: ele é fraco...

    100% carisma e 0% talento.

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  10. O Ozzy pode não ter A voz e não ser bom tecnicamente, mas é uma figura com importância e influência inegável no heavy metal. E eu adoro Black Sabbath e curto muito a sua carreira solo - inclusive, pra mim, seu último disco, Scream, é um dos melhores de 2010.

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  11. Nossa, essa matéria é fantástica!!! Interpretei que ela achou Dio e Bruce perfeitos, King muito técnico e com pouco feeling, Ozzy, por favor passar longe, e Halford um talento incrível ainda em estado bruto.

    Concordo com o Fernando, mandaria "where eagles dare", que, para mim, é o supra-sumo do desempenho vocal do Bruce.

    O Ozzy canta mal, mas sua voz é muito marcante. Técnica zero, mas mesmo assim é agradável. Em proporções diferentes, é o memso que acontece com o Mustaine.

    Abraços

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  12. Existem muitos exemplos de vocalistas que não são técnicos mas são eficientes. Gostaria de que o Michael Kiske tivesse sido avaliado também.
    Sobre o Ozzy, podem falar o que quiser. Argumento nenhum vai fazer com que os fãs parem de gostar do cara.

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  13. Mas não existem motivos para deixar de gostar de Ozzy Osbourne. O cara é um mito, uma lenda, e seus discos são muito bons, de modo geral.

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  14. Claro. Afinal, alguém que fez tanta música boa, por mais q nao seja um monstro dos vocais, é no mínimo um gênio.

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  15. Interessante a matéria...mas me parece autoafirmação...tipo: olhem como a musica que eu gosto exige técnica e não é apenas barulho como vocês falam (vocês = globo e outros canais dominantes) ... Interessante citar tambem que foram avaliados cantores de rock... genero musical que não prima pela técnica mas sim mais pela pegada e felling
    Pronto para as pedradas....
    hehehehe
    Abraços
    Fábio

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  16. AHHH.. que maravelha!!!

    Sensacional!!

    Agora vão me dar razão!!!

    Obrigado Cadão pela lembrança!! e ao Fernando também que na hora em mandou um email já imaginando minha reação!!!

    Gostaria de ver o comentário dessa senhora sobre o Ray Gillen, Steve Lee, Robert Plant, Michal Kiske, Axl Rose, Geoff Tate, Jon Bon Jovi, Paul Stanley e muitos outros...

    Realmente as explicações são detalhadas!!!

    Plenamente satisfeito com os comentários...

    O Ozzy é um mau cantor e um excelente artista, assim como o Gene Simmons.

    Vou usar esse artigo quase que diariamente.... rsrsrsrsrs

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  17. Olá amigos do collector's room,

    em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-los pelo excelente blog. Sou o admin do blog “Minuto HM” (www.minutohm.com) e seria uma honra ter vocês e todos os headbangers por lá!

    Novamente, meus parabéns.

    [ ] ' s,

    Eduardo
    Minuto HM
    http://www.minutohm.com
    http://www.twitter.com/minutohm

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  18. Que interessante!!!
    Ela gostou mais do Halford e gostou bastante dos outros, exceto Ozzy.
    E eu adorei a análise que ela fez de Ozzy.Isso é rock, isso é Heavy Metal!!! Ozzy não tem técnica, mas ele precisa? O estilo dele é esse. É o anticantor. É na raça! Ele canta no instinto. E isso é o que fez dele esse ídolo do Metal até hj. A música pesada e macabra dele é perfeita para essa voz tensa e cheia de falhas.
    Adorei.
    Falaram ai do Kiske, mas pra mim ele é superestimado. Não gosto da voz dele.

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  19. Comparar o Kiske ao Ozzy é uma ofensa sem tamanho quando o assunto é tecnica vocal.

    Não estamos discutindo gosto ou importancia na história do rock...

    Estamos falando de técnica..

    vamos transferir isso para a guitarra.... é a mesma coisa que vc pegar o STEVE VAI...e ele começa a tocar.... OK, vc pode não gostar da musica ou estilo...

    Agora pela um CACHORRO DOIDO e manda ele morder a guitarra... QUE BELEZA... saiu um som legal... vamos GRAVAR AE.....

    Ou o infeliz do Nirvana... que além de não saber cantar, toca guitarra feito o cachorro citado... Tem gente que gosta.... ué?? fazer o que???

    Quer pior??? e o AXL ROSE??? Quer pior cantor que ele??? Ele abre o bico na segunda musica num show...

    Veja o Steven Tyler... o cara no final do show, canta WALK THIS WAY... com 200 anos nas costas... e canta muuuuito bem... sabe o que é isso?? é TECNICA....

    Não estamos falando de gosto... TRETA TRETA TRETA!!! rsrsrsrsrs

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  20. Hahaha. Injustiçado Ozzy Osbourne! Técnica é um acessório para se expressar musicalmente. É assim na guitarra, vocal, e em todos os outros instrumentos. Fazendo uma analogia para outros instrumentos, Tony Iommi nao tem nem dedo e é um dos maiores riffmakers (quiçá o maior) de todos os tempos. Blackmore, nos primeiros tempos de Purple também nao era lá muito técnico, mas nao precisa falar nada de sua forma de tocar guitarra, neh?

    Inspiração é o mais importante e esses, da mesma forma q o ozzy, tem de sobra.

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  21. Tem artista que esbanja técnica e tal, mas não tem feeling. Não passa emoção que é algo para além da técnica.
    Ozzy tem isso de sobra. Tem imagem, carisma e canta sem medo de perder a voz. Todo fã de rock gosta disso.

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  22. Curti muito essa matéria! E a análise dela vai de acordo exato com o que percebo desses vocalistas. Pelo meu conhecimento restrito de teoria musical já imaginava que faltava alguma coisa ao Halford. Talvez uma técnica que una os tons muito altos (gritos) aos não tão altos resultando num canto mais natural ou harmonioso (adjetivar essas características musicais é por conta dela e não minha). Talvez seja esse o recado que ela disse do Halford. Ozzy nem precisa falar nada, não usa sequer um único efeito pra cantar, mas tem o timbre macabro, diabólico único, que casa bem com o Sabbath. Eu particularmente não aprecio a voz dele. O DIO e Bruce Dickinson foram para quem ela mais rasgou seda, mas eu ainda acho que o DIO tem umas pequenas limitações, pelo menos em interpretar técnicas de outros cantores, se foi a intenção dele. Ele cantando nos bons tempos do Rainbow Mistreated do Purple por exemplo, em minha opinião ele não reproduz as mesmas características do Coverdade. Ele pode até ser bom em subir o tom mas o "drive" - talvez ressonância nas palavras dela ou distorção da voz do Coverdale ele nunca teve. E por fim gostaria de ler dela uma opinião sobre Glenn Hughes, Steve Marriott, David Coverdale, Steve Winwood, Paul Rodgers, Steve Walsh e o vocal do Boston que esqueci o nome.

    --

    Luciano

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  23. Como eu queria que essa matéria tivesse sido publicada há uns 17 anos atrás...

    Eu a usaria de escudo contra os apedrejamentos morais em toda vez que fizesse criticas a voz do Ozzy.

    OBS: Adoro Sabbath, mas sempre fui realista.

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