Rotting Christ: crítica de Kata Ton Daimona Eaytoy (2013)

 
Décimo-primeiro álbum da banda grega Rotting Christ, Κατά τον Δαίμονον Εαυτού (Kata Ton Daimona Eaytoy) foi lançado no último dia 1º de março pela gravadora francesa Season of Mist, um dos principais selos dedicados ao metal extremo em todo o mundo. O título é uma releitura da célebre frase “do what thou wilt”, do controverso ocultista inglês Aleister Crowley, imortalizada no Brasil como “faço o que tu queres” pela dupla Raul Seixas e Paulo Coelho.

O trabalho é o sucessor do ótimo Theogonia (2007) e do fantástico Aealo (2010), álbuns que marcaram o nascimento de uma nova sonoridade para o Rotting Christ, rica em melodias e elementos étnicos que realçam a milenar cultura de seu país de origem. Κατά τον Δαίμονον Εαυτού é a continuação, o novo capítulo dessa reinvenção.

Produzido pelo vocalista, guitarrista e líder Sakis Tolis ao lado de Jens Bogren (Kreator, Leprous, Paradise Lost), o disco traz dez faixas originais, mais “Welcome to Hell” como bônus. Em uma comparação direta com Aealo, Κατά τον Δαίμονον Εαυτού soa mais sombrio e menos “alegre”, além de nitidamente mais pesado. Como já havia acontecido no álbum anterior, a inserção de elementos étnicos tornou a música do Rotting Christ mais assustadora, com um clima sobrenatural onipresente. Soma-se isso ao constante uso de coros em quase todas as composições, e a sensação que temos ao ouvir o disco é o de estar presenciando, ao vivo e bem diante de nossos olhos, a uma cerimônia de magia negra ou algo do gênero.

O efeito dramático dessa união de elementos é avassalador, construindo um experiência que poucos álbuns conseguem entregar. Há velocidade, há peso, há agressividade, há violência sonora, mas tudo converge para o mesmo ponto, em composições extremamente visuais e cinematográficas, que trazem à tona o que está escondido ao nosso redor.

Ótimas melodias navegam sobre uma base com fartos blast beats e ritmos variados, e o resultado é uma das sonoridades mais originais surgidas no metal nos últimos anos. Um dos principais destaques é o exemplar trabalho de guitarras, a cargo de Sakis e George Emmanuel, elaborando intrincados e inspirados trechos. Completam o quarteto o baixista Vaggelis Karzis e o irmão de Sakis, Themis Tolis, na bateria. O rico instrumental apresentado não só em Κατά τον Δαίμονον Εαυτού, mas também nos últimos trabalhos do Rotting Christ, faz parecer piada os tempos em que a banda era ridicularizada por não dominar os seus instrumentos. Hoje, o que se ouve é de um requinte e de um bom gosto raros dentro do universo do heavy metal.

Faixas excelentes se sucedem, reafirmando o quanto o Rotting Christ é uma banda rara, que, apesar de estar na estrada desde 1987, vive o seu auge criativo e artístico no topo de duas décadas de história. Músicas como “In Yumen-Xibalta”, “P’unchaw Kachun-Tuta Kachun”, “Grandis Spiritus Diavolos” e a sensacional faixa-título mostram como o grupo está voando alto. Repetindo um expediente já apresentado em Aealo, o uso de um vocal feminino em “Cine Iubeste Si Lasa” realça ainda mais a dramaticidade dos fatos, colocando a qualidade do trabalho nas alturas. A assustadora “Rusalka” é outro destaque, alternando vocais guturais com arrepiantes vozes sussurradas.

Dona de uma originalidade inegável, como já dito, a sonoridade atual do Rotting Christ porém parece, às vezes, presa dentro de seus próprios limites. Isso é perceptível em faixas como “Iwa Voodoo” e “Gilgames”, que apenas repetem ideias apresentadas com muito mais brilhantismo pela própria banda em seus últimos discos. A sensação se repete, porém em doses menores, no par que fecha o álbum, “Ahura Mazda-Azra Mainiuu” e “666”.

Κατά τον Δαίμονον Εαυτού é um dos melhores discos da carreira do Rotting Christ e reafirma o ótimo momento vivido pela banda nos últimos anos. Dono de uma musicalidade embasbacante, apesar de soar repetitivo em alguns momentos, atesta o status dos gregos como, senão a principal, uma das mais relevantes bandas do metal extremo atual.


Um ligeiro ajuste no time, que vem ganhando de goleada nos últimos anos, garantirá a continuação dessa jornada de golpes certeiros por um longo período.

Nota 8,5


 

Faixas:
1 In Yumen-Xibalta
2 P’unchaw Kachun-Tuta Kachun
3 Grandis Spiritus Diavolos
4 Kata Ton Daimona Eaytoy
5 Cine Iubeste Si Lasa
6 Iwa Voodoo
7 Gilgames
8 Rusalka
9 Ahura Mazda-Azra Mainiuu
10 666
11 Welcome to Hell

Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Tentei o Aealo, ouvindo uma ou outra música, em tempos diferentes, e ele ainda não me chamou atenção. Esse disco novo eu ouvi ontem e achei muito bom. Ficou foda a produção, pois conseguiu deixar um álbum absurdamente pesado absurdamente audível.

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