Haken: crítica de The Mountain (2013)


Em uma época em que o metal progressivo havia atingido o ápice da megalomania técnica e saturação, quando bandas surgiam às torrentes, simplesmente imitando as mesmas fórmulas teatrais e praticamente enterrando o real significado do estilo, o sexteto inglês Haken surgiu como um dos poucos sopros de vida realmente notáveis dos últimos anos.

Desde a sua formação em 2007 até o lançamento de Visions, seu ambicioso último trabalho de estúdio, o jovem grupo vem sendo considerado a grande promessa do estilo na década passada, o que acabou por levá-los a excursionar ao lado de nomes como Dream Theater, Karmakanic e Shadow Gallery. The Mountain é o seu terceiro álbum de estúdio, produzido em conjunto com Jens Bogren e marcando a estreia da banda pelo selo InsideOut Music.


Com uma tranquila aura contemplativa, “The Path” definitivamente cria, com o perdão do trocadilho, o início do caminho a ser trilhado ao longo do disco, como um último momento de concentração, um fôlego ou fechar de olhos antes do início da nova jornada em “Atlas Stone”. Com menos peso do que demonstrada anteriormente, nota-se uma banda mergulhando forte no lado mais atmosférico do rock progressivo clássico, aonde as linhas de teclado de Diego Tejeida não apenas criam as bases das músicas, mas atuam em diferentes níveis sem extrapolar para o virtuosismo, em combinação perfeita com o dinâmico trabalho de voz de Ross Jennings, que já apresenta uma evolução considerável (e muitíssimo bem vinda) em relação aos álbuns anteriores.

O ritmo extremamente quebrado e as interessantes inserções de jazz saem um pouco de cena em “Cockroach King” para dar lugar a um clima mais fantasioso, quase circense, nas mudanças de andamento que soam como o meio termo entre os períodos mais megalomaníacos do Yes e do Genesis da década de setenta (com direito a um interlúdio instrumental que poderia facilmente ter saído de alguma mente insanamente wakemaniana), acompanhados de um jogo de vozes digno da fase mais operística do Queen.

Quase inesperadamente trocando de curso, “In Memoriam” dá um salto no tempo e quase se afoga ao beber da inspiração mais do que evidente no som do Porcupine Tree (em especial os trabalhos após o Lightbulb Sun), enquanto as infinitas camadas de vozes de “Because It’s There” se constroem com uma belíssima singularidade, seja na longa introdução a capella ou acompanhada do desnorteado instrumental acústico.

“Falling Back To Earth”, com seus doze minutos de duração, é claramente dividida em duas partes: a primeira, intitulada “Rise” traz um conceito extremamente esperançoso, sobre um prog metal que intencionalmente não foge muito do padrão estabelecido há anos pelo Dream Theater (dentro do estilo do Haken, claro), o que cria um contraste com o segundo trecho, “Fall”. Carregada e em um andamento ditatorialmente mecânico, acompanha o desenvolvimento da própria letra, e se estende inclusive ao longo do interlúdio “As Death Embraces”.

Apesar de criar uma estranheza inicial, “Pareidolia” traz vários elementos que fazem referência à música do Oriente Médio, soando por diversas vezes parecida com o Orphaned Land (especialmente o último – e excelente – trabalho, All Is One), além de um trecho em particular que parece ter sido extraído de um dos álbuns do Moonspell. Novamente trazendo um cuidadoso toque nos detalhes e em como as infinitas alterações de ritmo funcionam ao longo da faixa, “Pareidolia” se enquadra facilmente como um dos momentos mais ricos na discografia dos ingleses.

Não fosse o suficiente, o disco encerra com a longa balada “Someone”, que alterna entre trechos extremamente melancólicos com outros que remetem diretamente ao progressivo setentista em suas personificações mais acústicas e tranquilas, com algumas das melodias vocais mais inspiradas do álbum (e isso é realmente algo significável). Além de um grande tom épico, é como se a obra voltasse ao seu ponto de partida, fechando um ciclo ao unir-se, tanto instrumental quanto liricamente ao seu início.

A maneira como o conceito se desenvolve ao longo da escalada de The Mountain mostra um Haken engajado em definitivamente criar uma experiência imersiva em nível muito maior do que nos seus álbuns anteriores (que apresentavam boas canções, porém pecava um pouco como um todo). Mais dinâmicos e menos obcecados em soarem técnicos ou exibicionistas, as composições no novo trabalho atingem nível de maturidade diferente, focando na elaboração e no fluxo natural de uma história e na utilização de suas influências para agregar ainda mais detalhes à música, que funciona sistematicamente no decorrer do disco.

E a forma como eles trabalham estas inúmeras influências é  o que torna a audição tão interessante e intrigante em cada uma das faixas, sendo possível fazer paralelo inclusive com o álbum Blood Mountain, do Mastodon, que apresenta proposta de conceito semelhante (ainda que a dos americanos seja mais violenta e linear). The Mountain não apenas representa a jornada da banda em busca de inspiração e elevação, mas também é facilmente uma das grandes obras do progressivo neste século, e coloca o Haken definitivamente como um dos maiores nomes atuais, que ao mesmo tempo venera o legado do estilo, enquanto gradativamente visa um novo caminho.

E eles não apenas vem usando esse caminho, mas deixam também a trilha limpa para novas possibilidades, quando o ciclo se reiniciar em um futuro próximo.


Nota 9,5


Faixas:
01. The Path
02. Atlas Stone
03. Cockroach King
04. In Memoriam
05. Because It’s There
06. Falling Back To Earth
07. As Death Embraces
08. Pareidolia
09. Somebody


Por Rodrigo Carvalho, do Progcast

Comentários

  1. Já escutaram esses?
    Podiam resenhar.

    ► Tedeschi Trucks Band - 2013 - Made Up Mind

    ► Elvis Costello & The Roots - 2013 - Wise Up Ghost

    Também temo novo Sting na área.

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