Deafheaven: crítica de Sunbather (2013)



No dia 11 de junho de 2013, um certo disco com uma inusitada capa de tons róseos e apenas o nome do trabalho escrito com fonte que parecia tirada de uma revista de moda fisgou a atenção de praticamente todo o mundo musical. Sunbather, o segundo álbum do Deafheaven, formado pela dupla americana George Clarke e Kerry McCoy, imediatamente teve todos os holofotes apontados para ele, extrapolando qualquer barreira que ainda pudesse existir entre a restrita música extrema e o absurdo sucesso mainstream (ora essa, eles apareceram até no anúncio do iPhone 5C).

E não apenas isso, o álbum figurou como um dos principais destaques do ano nas mais diversas publicações, superando inclusive os trabalhos quase unanimes do Black Sabbath e do Carcass, por exemplo, e considerada uma das maiores obras-primas recentes em diversas críticas mundo afora. Então, uma questão permanece martelando na mente de muitos: é realmente tudo isso?

As primeiras notas de “Dream House”, que percorrem de forma desenfreada os minutos iniciais do álbum, apresentam de forma clara a sujeira resultante do híbrido entre o black metal e o post-rock. Apesar de a tendência puxar mais para o lado do primeiro, por conta da predominância da velocidade e da crueza dos timbres dos instrumentos, os incessantes blastbeats e as terríveis linhas vocais cuspidas de forma atônica, é inegável que há a criação de uma atmosfera riquíssima, com notável quebra de ritmo e interessante mudança de direcionamento em seu final, para algo mais contemplativo e perigosamente próximo ao shoegaze.

Na estrutura de Sunbather, as faixas mais longas são intercaladas por outras menores, como uma transição de pensamentos controversos na mente de uma pessoa com sérios distúrbios de personalidade. Mal cessa o caos de “Dream House”, a tranquilidade quase pastoral nos dedilhados de “Irresistible” remete a tempos mais simples e despreocupados, que são obliterados com a gélida introdução da faixa título, e talvez exatamente por isso, comecem a transparecer alguns pontos estranhos.

A música que dá nome ao álbum traz a mesma fórmula, alternando entre os momentos mais vomitados com outros de pura catatonia épica, de margens nebulosas, praticamente impossíveis de serem definidas. Os poucos descansos sonoros, quase esbarrando no rock progressivo também funcionam como minúsculos interlúdios em uma faixa que parece correr em volta do seu próprio eixo de forma cansativa (ok, talvez isso faça parte da proposta da banda – mas ainda assim determinadas passagens parecem estar ali sem nenhum propósito).

“Please Remember”, com seu crescendo de ruídos e interferências tipicamente utilizadas no post-rock atinge o seu ápice cacofônico até descambar para uma belíssima passagem acústica que precede “Vertigo”, a composição mais completa em Sunbather, aonde a dupla atinge o perfeito equilíbrio entre as suas diversas influências, com 14 minutos de mudanças de andamento devidamente encaixadas e em coerente desenvolvimento. Do hipnótico início árcade, que aos poucos recebe inserções de elementos mais desconexos até os mais agressivos momentos, “Vertigo” realmente cria uma experiência muito além da musical e finalmente torna-se possível visualizar um ambiente alvorar próximo às inusitadas cores da arte do trabalho.

Em seguida, chega a ser intrigante imaginar se as pregações em “Windows” não fazem referência ao Pink Floyd, unindo a transmissão com um incessante loop de sintetizador e piano, como se Waters e Wright, em uma realidade alternativa, fossem entusiastas de um som mais extremo. Devaneios a parte, “The Pecan Tree” mergulha de forma ainda mais profunda no black metal, de certo sentimento épico que flutua entre o Burzum e o Bathory em certos momentos, contando com um instrumental ainda mais saturado e estourado, irreconhecível quando as passagens etéreas aparecem de forma brusca e assustadora, criando mais uma vez o contraste entre as identidades conflitantes da banda, encerrando o álbum praticamente da mesma forma que começou.

Há qualidade em Sunbather. Principalmente pela inversão da equação que o Deafheaven faz, ao basear as músicas não em faixas extremas com toques atmosféricos, mas sim de ser uma banda de post-rock/shoegaze que utiliza elementos extremos para acentuar a sonoridade apocalíptica de sua criação e o conflito transparecido também nas letras. Analisando isoladamente, é um bom trabalho, de produção excessivamente suja em certos momentos e um vocal apático que tenta vociferar de forma agonizante algo que o estraçalha por dentro, mas acaba passando a mensagem apenas de forma monótona, apesar das inteligentes estruturas instrumentais e pela combinação já comentada.

Qual o motivo então de todo o hype em cima do álbum? Bandas como Fen e Alcest (e até mesmo o Burzum) já fizeram algo próximo em sua discografia, da mesma forma que outros ótimos lançamentos de 2013, dos grupos Capa, Altar of Plagues, Castevet, Gris e Vattnet Viskar (para citarmos alguns) podem não ter proposta exatamente igual, mas apresentam direcionamentos parecidos e não tiveram nem uma porcentagem do reconhecimento do Deafheaven. Não estamos falando que é injusto, apenas que soa um tanto quanto descabido.

O black metal manifestado em meio a outros estilos não é grande novidade, e tampouco aparece aqui em sua forma mais completa e coerente durante todo o trabalho. Então, quais seriam os motivos de toda a comoção causada? Teria atingido um público diferente, ainda ignorante em relação a tudo o que vem sendo lançado nos últimos anos? O trabalho visual e o conteúdo lírico confundiram as pessoas em um primeiro instante? Há necessidade de ter uma obra prima e enfiarmos esse veredito goela abaixo de todos, em uma tentativa de unir grupos inicialmente antagônicos? E quanto ao próximo álbum, daqui a alguns anos, terá recepção tão calorosa por aqueles que facilmente se cansam e descartam o novo de ontem como se fosse arcaico hoje? Muitas questões permanecem, e assim provavelmente continuarão durante algum tempo.

Em todo caso, como já dito: há qualidade em Sunbather. Também há beleza e elegância deitada ao lado da desordem e do desespero em um gramado ao nascer do sol. É um bom disco, e deve ser encarado musicalmente como tal. O reconhecimento pelo trabalho da banda é excelente, de fato, mas devemos ter em mente que não é a única bolacha no pacote.

Nota 7,5

Faixas:
1 Dream House
2 Irresistible
3 Sunbather
4 Please Remember
5 Vertigo
6 Windows
7 The Pecan Tree 

Por Rodrigo Carvalho

Comentários

  1. se fosse do ghost seria uma obra prima neh

    ResponderExcluir
  2. Eu ouvi, acho que, umas 3 músicas do disco. Achei interessante. Não entendo toda o hype que causou, mas essa falta de compreensão se dá, principalmente, por eu não ser muito chegado nessa sonoridade.

    Ouvi uma música do disco Native, do Autolatry, chamada Pale Dishonor, que, na minha opinião, é nessa linha do Deafheaven, e achei o mais bacana que ouvi do estilo nesse ano.

    Ah, mas, de qualquer forma, essa capa do Sunbather hipnotiza.

    Parabéns pela crítica, Rodrigo; eu gosto dos seus textos, com a ressalva de se achar que se prolongam demais, às vezes, em alguns parágrafos, fazendo-se difícil compreender. Mas isso vem melhorando.

    ResponderExcluir
  3. Valeu pelo comentário, Patrick! Esse negócio da síntese é o fator que mais me pega, mesmo. Mas estamos trabalhando nisso hehe.

    Pô, vou conferir aqui esse álbum do Autolatry. Passei batido por ele esse ano!

    Aliás, esse hype antecipa algumas coisas. Esse ano já tivemos alguns trabalhos do chamado "post-black metal", e com o reconhecimento do Deafheaven, vejo muita banda fazendo algo parecido em 2014.

    ResponderExcluir
  4. Outro álbum interessante nessa linha Blackgaze é o Black Clouds Gathering do Vallendusk, vale muito a pena conferir quem é fã do estilo. O do Deafheaven também achei legal, gosto muito dessas bandas que mesclam Metal extremo com passagens cadenciadas e atmosféricas, creio que seja sim uma tendência a ser seguida por bandas novas... só espero que não apareçam muitos clones de Deafheaven, quando surge um movimento do gênero já aparecem trocentas bandas iguais fazendo a mesma coisa sem inovação alguma... espero que usem o Blackgaze como inspiração e não como cópia.

    ResponderExcluir
  5. Depois de ver várias citações nas melhores do ano fui atrás deste álbum e tenho q confessar q ainda não consegui digerir o som q eles fazem. Curto alguma banda de black metal como Immortal,Dimmu Borgir e outras, mas eles ainda não me convenceram assim como outros álbuns citados entres os melhores de 2013 como Kvelertak(Meir) e Vampire Weekend(Modern Vampires of the City).

    Rodrigo vc percebeu que a lista "estrangeira" foi bem diferente da "nacional" repetindo poucos álbuns. Isso mostra na minha OPINIÃO q o gosto musical por lá é bem diferente do q temos por aqui. Sei q as citações servem como um bom termômetro de como anda a cena musical no mundo, mas fiquei muito decepcionado com as indicações. Tem muitos álbuns melhores que não foram citados.

    Abraço.

    ResponderExcluir
  6. Jean:

    Legal, não conhecia esse do Vallendusk, vou dar uma conferida! Quanto aos clones, acho que o surgimento de várias bandas/discos com proposta semelhante é meio inevitável. Mais ou menos a mesma coisa aconteceu em 2011 e 2012, com bandas de stoner e classic rock aparecendo aos montes (o negócio tá até saturado hehe).

    Rinaldi:

    São bem diferentes, mesmo! E a discrepância não acho que seja só entre aqui e o resto, mas podemos separar o mercado norte americano do europeu, também. A galera dos EUA parece focar nas bandas de lá e em nomes clássicos, enquanto os europeus sempre buscam coisas mais diferenciadas.

    Não parei pra analisar completamente, mas é uma impressão que fica.

    ResponderExcluir
  7. "Esse ano já tivemos alguns trabalhos do chamado "post-black metal", e com o reconhecimento do Deafheaven, vejo muita banda fazendo algo parecido em 2014."

    Pois é, Rodrigo. Nesse ano rolou muita coisa desse gênero, acho que além do que imaginamos ou a que tivemos acesso. Deve ser mesmo uma tendência para 2014. Pena que, para mim, não vai ser muito aproveitável rsrs.

    ResponderExcluir
  8. Discordo da resenha. De fato, existem bandas que misturam Black Metal com outros estilos, mas acho que nenhuma delas se aproximou da sonoridade apresentada. Foram citadas bandas que fazem uma proposta "mais ou menos parecida", mas não reconheci em nenhuma a sonoridade desse disco.
    Mesmo Alcest que também é reconhecida por misturar elementos de Black Metal e Shoegaze parece utilizar elementos diferentes de ambos os estilos (geralmente chegando em um resultado mais acústico e introspectivo).

    ResponderExcluir
  9. Desde a primeira vez que ouvi esse albúm já sabia que ele estaria nas lista de fim de ano! um albúm espetacular! realmente é um albúm dificil...mas é isso que o faz tão especial! até em listas pop ele estava.
    para mim, a melhor música do ano é vertigo...

    ResponderExcluir
  10. aahhh..e na minha opinião o que foi injusta foi sua nota. esse albúm é 10!

    ResponderExcluir
  11. Achei esse cd bacana, só isso!!! A nota foi merecida, Vale citar que o Woods of Desolation vai lançar alguma coisa em 2014 e acho bem legal a proposta deles.

    Outra banda que me chama a atenção é o Sleeping Peonies. Acho fantástico o trabalho de mixagem, consegue realmente transmitir a atmosfera proposta pela banda.

    ResponderExcluir
  12. Interessante a crítica, principalmente nos questionamentos sobre o inacreditável e descabido hype em torno desse disco. Pra mim, ficou completamente explicitado que, por algum motivo, se escolhe nomes para serem 'os eleitos' e a manada vai atrás. Não deixa de ser curioso ver que um som extremo como o Black Metal passa do status de altamente rejeitado para o de favorito dos indies, como num passe de mágica. Nada mais que um curioso reflexo desse mundinho indie, que parece ter uma necessidade patológica em criar hype em torno de coisas diferentes, simplesmente por serem diferentes. E funciona perfeitamente. Eu mesmo fui lá conferir!

    Esse album é a maior enganação de 2013. Junte uma capa rosa + tipografia fashionista + um som extremo de black metal (mal feito, diga-se de passagem) + pitadas de sons modernosos (óbvio!). Pronto, fez-se o hype.

    ResponderExcluir
  13. Reproduzo aqui um sagaz comentário que li em um vídeo do Deafheaven no Youtube: "Tudo que irrita os fãs puristas de metal me agrada".
    A banda, e esse disco especificamente, podem não ser a recriação da música do século XXI (e nem acho que se pretendeu isso), mas se trata sim de um trabalho muito bom e que leva o estilo para outras paragens, sem repetir e se perder em receitas batidas e "trve".

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.