Whipstriker: crítica de Troopers of Mayhem (2013)


Victor Vasconcellos pode se gabar de estar envolvido em alguns dos principais atentados musicais oriundos do abundante cenário subterrâneo carioca. Aos 28 anos, traz no currículo o fato de encabeçar nomes como Farscape, Atomic Roar e Diabolic Force, expoentes daquilo que de melhor o Rio de Janeiro produz em termos de heavy metal desde a virada do século. Em 2006, também integrou o Toxic Holocaust na turnê brasileira do álbum Hell On Earth (2005). Ainda assim, não se deu por satisfeito e, para escoar o lado mais cru e cinzento de seu vasto leque de influências, arregimentou em 2008 um novo front de guerrilha: o Whipstriker.

A alcunha o acompanha desde os primórdios do Farscape, quando do lançamento da primeira e ainda ingênua demo: Doctrine Sickness (2001). Logo, nada mais natural do que batizar de Whipstriker o projeto que visa dar vazão a um som radical - de raiz, fundamental à origem de qualquer coisa - como o metalpunk encontrado em seus trabalhos a partir de então.

O primeiro foi Crude Rock'n'Roll (2010), um eficiente cartão de visitas que acabou sendo aclamado até nos bueiros mais obscuros da Europa. Tanto que rendeu turnê por países como Alemanha, Suécia, Itália, França, Noruega, República Tcheca, dentre outros. Após vários splits, alguns com gente como Iron Fist, Germ Bomb e Power From Hell, eis que saiu no fim de outubro Troopers of Mayhem, o segundo full lenght dessa one man band e o segundo trabalho de Victor no ano, já que em maio o Farscape havia soltado Primitive Blitzkrieg - leia aqui o review.

O disco foi lançado pela Kill Again Records, selo de Ceilândia, no Entorno de Brasília, e consolida uma certa mudança na sonoridade do Whipstriker em relação ao trabalho de estreia. Como o próprio nome escancara, o primeiro álbum apresentava um rock'n'roll rude, bruto e cru. Não porque precisava ser lapidado ou desenvolvido, mas pelo fato de o objetivo ser realmente ir ao encontro de influências primárias, desde os riffs secos do Motörhead até o tom sacana/sarcástico do Thin Lizzy, passando por toda urgência da NWOBHM e sua gritante contribuição melódica.

Troopers of Mayhem, por sua vez, busca um outro norte. Poderia até ser apontado como um disco de uma banda distinta não fosse o fato de termos ciência prévia de que trata-se do mesmo mentor, Victor Whipstriker, e de alguns aspectos que lhe são característicos, como o timbre vocal. Na prática, porém, é como se o novo álbum deixasse para trás boa parte do amálgama supracitado e, de forma deliberada, avançasse cronologicamente algumas casas, passando então a apostar todas as fichas que tem em vertentes ligeiramente posteriores, como a fase embrionária do speed metal, a veia pós-apocalíptica do d-beat/crust e tudo mais que vier diretamente do Venom.

Se, em síntese, o Whipstriker faz metalpunk, Crude Rock'n'Roll seria o lado punk, enquanto que Troopers of Mayhem ficaria com a porção metal dessa simples equação. Para comprová-la quase que matematicamente, basta observar as capas dos dois discos, nas quais fica mais do que nítida tal distinção. Outra forma rápida e objetiva de fazer essa identificação é por meio de "Troopers of Mayhem", faixa que abre, dá nome ao álbum e logo de cara mostra um som mais carregado e sombrio. O que era safado e puro sarcasmo virou agressividade e sujeira radioativa.

"We Came From the Wild Lands" transborda os ensinamentos de Cronos, Mantas e Abaddon, seja na guitarra ou na linha vocal. Mais Venom impossível, mas também sem abrir mão da pegada típica de bandas do underground brasileiro. Um hino do terceiro mundo. "Lucifer Set Me Free" lembra muito "Children of Three Eyes", do Atomic Roar, e talvez seja a mais bacana justamente por ir na contramão da velocidade pura e simples. Mais cadenciada, apresenta um peso descomunal e um dos melhores riffs do disco. O solo do meio também chama a atenção. "Genocide Now!" encerra a primeira metade do trabalho retomando o ritmo alucinante com dois minutos de proto death metal bem na linha do que o Hellkommander, também do Rio, faz com maestria. Semelhança que aumenta por conta da participação especial de Victor Poisonhell no vocal.

A segunda parte do álbum é um pouco menos inspirada, e o destaque fica com "Murder in VM Street", que no início coloca o pé no freio para só depois atacar com uma levada totalmente Discharge. Ótimo contraponto e que mostra a versatilidade dos irmãos Leo Witchcaptor e Pedro Skullcrusher, responsáveis pela gravação da guitarra e da bateria, respectivamente, e comparsas de Victor Whipstriker também em toda a trajetória do Farscape.

Troopers of Mayhem, porém, se encerra com "Backward Progress", cujo título esboça bem o paradoxo do 'progresso para trás' que paira ao término de cada audição. Não resta dúvida de que, da estreia para cá, o Whipstriker evoluiu, ganhou força e retornou com outro disco muito bom. No entanto, com uma proposta que não é mais tão singular quanto a oferecida em Crude Rock'n'Roll.

Antes, o som era selvagem e quase único. Acima da média ao se diferenciar do trivial. Agora, traz ótimas canções, mas está mergulhado em uma seara metalpunk onde encontra inúmeros pares semelhantes. Apesar de ter amadurecido, caiu em uma armadilha e se vê rodeado por várias bandas com apelo igual. De nomes antigos como Driller Killer e Inepsy a caras novas como Children of Technology, Speedwolf e Midnight. O desafio passa a ser achar uma maneira de se sobressair, ainda que com a mesma fórmula. Victor já mostrou conhecimento de causa para tanto.

Aguardemos os próximos capítulos.

Nota: 7,5


Faixas

1 Troopers of Mayhem 4:31
2 We Came From the Wild Lands 4:55
3 Lucifer Set Me Free 4:14
4 Genocide Now! 2:26
5 These Grey Days 3:59
6 Murder in VM Street 4:22
7 Streeptrap 2:52
8 Backward Progress 4:26

Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Excelente disco, excelente resenha! Whipstriker é uma das melhores bandas e mais promissoras bandas brasileiras da atualidade! Parabéns à Collectors tb por abrir espaço para o metal underground! Abraço!

    ResponderExcluir
  2. Valeu, Cristiano!

    Pode ter certeza de que o underground sempre terá espaço por aqui. Abraços!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.