Triptykon: crítica de Melana Chasmata (2014)

Não há dúvidas de que Thomas Gabriel Fischer seja um gênio. Dentro do cenário subterrâneo do heavy metal nos anos 80, poucas bandas estiveram tão à frente de seu tempo quanto Hellhammer e Celtic Frost. Individualmente, são raros os que podem dividir patamar semelhante dentro dessa seara marginal. Quorthon? Chuck Schuldiner? Cronos e Mantas? Não consigo elencar muitos além desses.

Porém, como todo indivíduo condenado pela própria inquietude e um insaciável ímpeto de transgredir, era natural que, de tempos em tempos, Tom sentisse a necessidade da obliteração permanente. A vontade de aniquilar seu legado, geralmente após atingir o ápice, para buscar um eterno novo ciclo.

David Bowie fez muito isso e talvez seja o maior exemplo dessa obsessão. Na cabeça de Tom, o Triptykon nada mais é do que exatamente essa válvula. Um universo inteiro a ser explorado por mais um de seus alter egos. Satanic Slaughter e Tom G. Warrior, as mentes malignas por trás de Hellhammer e Celtic Frost, já foram destruídas. Agora quem dá as cartas é Thomas Gabriel Fischer. Um ser nu e cru, mas tão obscuro quanto o que ostentava os velhos pseudônimos.

Melana Chasmata (abismos negros, em grego) é mais denso e muito superior ao primeiro trabalho do Triptykon, Eparistera Daimones (2010). Está anos-luz à frente do superestimado Monotheist (2006), derradeiro álbum do Celtic Frost. Passados, respectivamente, quatro e oito anos desde seus antecessores, o novo disco mostra Tom acertando em cheio quase que como no início de sua tortuosa trajetória, que agora já ultrapassa 30 anos. Digamos que faltou bem pouco.

As quatro primeiras músicas são simplesmente absurdas. "Tree of Suffocating Souls" abre a empreitada pisando fundo no acelerador, diferente de "Goetia", que demorava uma eternidade para fazer engrenar o disco anterior. Além dos excelentes riffs, é importante destacar que, enfim, Thomas Gabriel voltou a se ater ao básico nos vocais. Menos quase sempre é mais, sobretudo quando se tem uma voz tão característica e já identificada. "Boleskine House" prova isso, ainda que contenha a participação de Simone Vollenweider e duetos entre ela e Tom. O desempenho da cantora é ótimo e pontual. Engrandece a canção, que também se gaba de ter um solo fabuloso a partir do minuto 5:10.

"Alter of Deceit" é mais pesada do que o céu. Um exemplo claro do que 80% das bandas de doom metal buscam e, muitas vezes, não alcançam. A letra é curta, magnífica e uma das melhores, assim como a da faixa seguinte, "Breathing". Nela, Tom exorcisa os próprios demônios e cospe na humanidade com uma classe singular. Passagens à la thrash metal deixam tudo mais rápido. Deve ser a música mais urgente da história do Triptykon e mostra, de forma retroativa, de qual fonte Jeff Hanneman e Kerry King beberam para conceber o Slayer.

Do meio para o final, a impressão é de que o disco perde um pouco o fôlego. "Aurorae" e "Demon Pact" ainda são bem legais, mas "In The Sleep of Death" e "Black Snow" pagam um alto preço por serem demasiadamente longas. Há ideias bacanas em ambas, mas nada que justifique 8:10 e 12:24 de duração. O fim se dá com "Waiting", diferente de todas as outras oito músicas, mas que tem um clima bastante interessante. Simone Vollenweider volta a dar as caras e é destaque ao lado da ambiência gerada pela guitarra. Assim como "Boleskine House", lembra um pouco o que foi feito recentemente pelo Avatarium em sua bela estreia.

Oriundo do cérebro de um dos responsáveis por criar o embrião do death, do thrash e do black metal, é um tanto quanto desnecessário tentar classificar Melana Chasmata em um só subgênero. Basta dizer que é heavy metal. Com fortes traços de doom, claro, algo que está impregnado desde os primórdios do Hellhammer e do Celtic Frost. Não creio que seja a obra-prima de Thomas Gabriel, como alardeado por aí com notas máximas em diversas publicações especializadas. É possível até que esteja bem longe disso. Mas é um trabalho deveras intrigante e que merece ser examinado - vide a linda capa, de autoria do recém-falecido H.R. Giger - e degustado com grande atenção.

UH!

Nota: 9


Faixas

1 Tree of Suffocating Souls 7:56  
2 Boleskine House 7:12
3 Altar of Deceit 7:32   
4 Breathing 5:50
5 Aurorae 6:17
6 Demon Pact 6:07
7 In the Sleep of Death 8:10   
8 Black Snow 12:25
9 Waiting 5:55

Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Arriscaria dizer que foi o melhor lançamento do ano, Tom é um artista exímio!

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  2. Tom Warrior (ou Thomas Gabriel Fischer, não importa)é alguém que está acima de qualquer julgamento por tudo que já fez pela história do metal underground, sem dúvida, e esse lançamento do Triptykon só vem a comprovar que ele sabe muito bem deixar a sua marca em tudo que produz. Um puta disco, com certeza!

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