Os melhores discos de 2014 na opinião de Guilherme Gonçalves

O ouvido do Guilherme é exigente. Foi criado em uma realidade repleta de riffs selvagens e guitarras agressivas, mas não se contenta com pouco, quer sempre mais. E vai atrás, todos os dias, de sons que conduzem o heavy metal por novos caminhos. Mas, simultaneamente, mantém-se sempre atento para a música de qualidade, seja lá onde ela esteja e de onde ela possa vir. Dono de um dos melhores textos da imprensa especializada brasileira - sim, sou baba ovo e fã pra caramba do seu estilo, assim como o do Rodrigo Carvalho -, o Guilherme conta pra gente, na lista abaixo, quais foram os melhores discos de 2014 na sua opinião. E também na do seu ouvido.

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Morbus Chron - Sweven

A Doença de Chron é uma enfermidade que, por meio de células imunológicas, ataca o intestino, causando a corrosão do tubo digestivo e da parede gastrointestinal. Uma das hipóteses é de que trata-se de um distúrbio autoimune, no qual o sistema de defesa agride o indivíduo. De certa forma, foi exatamente isso que o Morbus Chron provocou em sua sonoridade com o surpreendente Sweven. Fazendo jus ao próprio nome, a banda sueca obliterou parte do que criou em seu álbum de estreia e expeliu uma nova estética death metal. Muito mais ácida e original. Se Sleepers in the Rift (2011) apostava alto nos ensinamentos de Entombed, Grave, Carnage e Dismember, o novo trabalho rompe com esse caráter de simples tributo, extrapola a zona de conforto e expande com louvor as fronteiras do gênero.

Sharon Jones & The Dap-Kings - Give the People What They Want

Sharon Jones é a versão feminina de Charles Bradley. Ambos compartilham ao menos cinco aspectos que os aproximam de forma irrevogável: têm uma voz maravilhosa, contam com uma banda de apoio espetacular, iniciaram a carreira de forma tardia, integram o cast da Daptone Records e lançaram os melhores discos de música negra dos últimos anos. Give the People What They Want é um deles. Em seu novo trabalho, a cantora esbanja categoria e entrega ao mundo uma obra-prima do soul, do funk e das raízes da música norte-americana como um todo. O álbum pulsa e faz pulsar. Transborda energia, melodias geniais e um naipe de metais acachapante. Nem parece que Sharon acabou de sair de uma bem sucedida batalha contra o câncer. Ou, vai ver, foi justamente esse o catalisador de toda essa inspiração.

Horrendous - Ecdysis

Um album de death metal à moda antiga, com todos os predicados para figurar entre os pilares do gênero na transição entre as décadas de 80 e 90, mas ainda assim completamente inovador. Ecdysis, segundo e mais novo trabalho forjado pelo Horrendous, une tradição e vanguarda. Luz e sombra. Mescla o que de melhor já foi feito na cena da Flórida e na Escandinávia, sem abrir mão de uma pegada mezzo heavy/hard, mezzo progressiva. O carro-chefe são as linhas de guitarra, que transitam por riffs que poderiam ter saído da mente maligna de Chuck Schuldiner, da escola sueca ou até mesmo da fase Ride the Lightning, do Metallica. O disco, como um todo, é impregnado por variações e alternâncias construídas com precisão, mas de forma orgânica, natural e sem a necessidade de músicas longas, quilométricas.

Agalloch - The Serpent & The Sphere

Degustar um novo álbum do Agalloch é sempre prazeroso. E desafiador, acima de tudo. Existem bandas que fazem o básico e são geniais. Existem bandas que forçam uma certa complexidade e jogam tudo pelo ralo. Exatamente no meio do caminho, existe esse quarteto de Portland, nos Estados Unidos, que é dono de uma musicalidade impressionante e que consegue a façanha de ser rebuscado e objetivo ao mesmo tempo. Uma fórmula black metal, folk e post-rock que trilha por caminhos tortuosos, mas que chega nítida e redonda ao tímpano. Luz e sombra que se apresentam por meio de uma sinestesia encantadora e eficaz. Tem sido assim há quase 20 anos. E foi assim novamente neste belo The Serpent & The Sphere.

Jenny Lewis - Voyager

Qual o segredo para se fazer um disco pop bem legal, com canções bacanas e que encantam de imediato? Jenny Lewis certamente tem a resposta e a usou em Voyager. Melodias simples, mas inspiradas são um bom começo. O novo álbum da cantora, ex-Rilo Kiley, tem isso e muito mais. É despretensioso, direto e deixa as próprias composições falarem por si só, algo fundamental. Música boa é assim. Entra no cérebro sem tanto propósito, agrada e não sai mais. Tem hora que o singelo suplanta qualquer coisa. Na verdade, quase sempre é assim. E Jenny sabe bem fazer isso. Indo de Bowie a Patti Smith num instante.

The Admiral Sir Cloudesley Shovell - Check 'Em Before You Wreck 'Em

Nome esquisito, capa esquisita, mas o que o The Admiral Sir Cloudesley Shovell continua fazendo em seu segundo álbum é bastante simples: heavy/hard rock com tempero psicodélico. Ora rápido e direto, ora cadenciado e com uma veia doom, Check 'Em Before You Wreck 'Em bebe na fonte de onde vieram Blue Cheer, Sir Lord Baltimore, Black Sabbath, Bang e outros nomes da época embrionária do metal. As músicas mais trabalhadas são o destaque. Pesa a favor da banda o vocal singular de Johnny Gorilla, também responsável pelos riffs que sustentam toda a engrenagem desse trio britânico.

Temples - Sun Structures

A fórmula anda batida, não há quase nada de original, mas e daí? O poder das doze faixas presentes em Sun Structures é grande o suficiente para colocar o disco entre os melhores do ano. Não entre os mais inventivos e ousados. E ainda bem que não há essa pretensão. Nem sempre é preciso reinventar a roda para ser excelente. Claro que o Temples se deu bem por trilhar um caminho antes explorado por Tame Impala e até pelos goianos do Boogarins. Porém, o disco de estreia do quarteto britânico vai além do pop psicodélico e da obsessão pela fase Revolver, dos Beatles. Há uma mescla muito bem feita de soft rock, power pop e até glam 70's. Esse último, sobretudo no aspecto visual. Se a banda não se perder, pode ir longe.

Pallbearer - Foundations of Burden

Foundations of Burden não é um álbum fácil de se lidar. Arrastado, denso, frio e sorumbático são alguns dos adjetivos possíveis de serem empregados para classificar o segundo trabalho do Pallbearer. Você ouve duas, três vezes e as músicas ainda assim demoram a engrenar. Mesmo para um disco de doom metal. Entretanto, quando a ficha cai, pode esquecer. Aí o grande desafio passa a ser parar de mergulhar nas entranhas de cada uma das seis longas canções que o constituem. As guitarras de Devin Holt e Brett Campbell, extremamente graves, conduzem a trama que compõe o som desse quarteto, melancólico até a medula. O vocal tem um quê de Ozzy Osbourne, mas sem soar forçado ou pedante. Belo e complexo disco.

Thaw - Earth Ground

Não se sabe exatamente quando o Thaw foi formado. O certo é que a banda polonesa é recente e tem em Earth Ground, seu segundo álbum, um trabalho digno de aplausos, já que mesclar black metal e noise é para poucos. Muitos vêm tentando, mas, quase sempre, sem sucesso. O novo trabalho do grupo, por sua vez, encontra uma boa dose de equilíbrio, já que alterna com êxito passagens velozes, típicas do black metal norueguês, e outras mais atmosféricas, que conferem um certo diferencial à obra. Esqueça todo o barulho exagerado que se criou em cima do Deafheaven em 2013. Ouça Thaw e não olhe para trás.

Radio Moscow - Magical Dirt

Parker Griggs recrutou dois novos comparsas para o acompanhar em sua nave sedenta por hard rock 70's e adentrou 2014 ao lado de caras que certamente o desafiam como músico. Único membro da formação original do Radio Moscow, o guitarrita estava acostumado a atrair todos os holofotes. Contudo, o baixista Anthony Meier e, principalmente, o baterista Paul Marrone não só deram conta do recado, como também puseram suas marcas nas novas músicas. Isso fica nítido no quinto álbum de estúdio do grupo. Se talvez não possa ser considerado um trabalho brilhante do início ao fim, Magical Dirt se mostra forte e lembra alguns dos melhores momentos do Cactus. Isso sem falar em Black Sabbath. Se tivessem caprichado um pouco mais nas linhas vocais, talvez o disco estivesse cotado em uma posição melhor nessa lista.

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