AC/DC e o triunfo da reconstrução

19 de fevereiro de 1980. Ronald Belford Scott, vocalista do AC/DC, é encontrado morto dentro do seu carro, um Renault 5, sufocado pelo próprio vômito após uma noite de intensa bebedeira - como tantas outras de sua vida, algo comum até então.

25 de julho de 1980. Back in Black, sexto álbum do AC/DC, é lançado em todo o mundo e transforma-se em um fenômeno de vendas, alcançando as primeiras posições em diversas áreas do planeta. Segundo dados da indústria fonográfica, o disco é o segundo álbum mais vendido de todos os tempos - dependendo da fonte, o título ocupa o primeiro posto.

Pouco mais de cinco meses. Esse é o período entre o choque pela morte de Scott e a renascimento com Back in Black. Não dá meio ano. E mudou o AC/DC para sempre. O trabalho anterior, Highway to Hell (1979), já havia colocado a banda em outro status, como uma das maiores e mais promissoras do hard rock. Mas foi o improvável passo seguinte que levou o AC/DC, de maneira permanente, ao olimpo do rock. Foi Back in Black que transformou o AC/DC em lenda.

Até a morte repentina de Scott, a banda havia trabalhado com ele em algumas das faixas que estariam no disco. No entanto, grande parcela do álbum foi composta e finalizada somente após a partida de Bon, com Brian Johnson assumindo as letras e Angus e Malcolm despejando riffs em memória de seu falecido vocalista.


Esse texto, na verdade, não tem o objetivo de contar a história de Back in Black. Ela está facilmente disponível na internet pra quem estiver interessado. O que buscamos aqui é realçar o quão improvável foi a aceitação e o sucesso do álbum, fruto de um período extremamente complicado e sombrio para o grupo. Basta fazer uma associação com o último disco do AC/DC, o mediano Rock or Bust, lançado no final de 2014 em uma situação digamos que similar, com o afastamento de Malcolm por motivo de saúde. O primeiro é excelente. O segundo é um arremedo do que a banda foi um dia.

Há um fato curioso sobre a edição brasileira de Back in Black. A versão lançada no Brasil teve a ordem das músicas trocada, fazendo que o lado A fosse o lado B, e vice-versa. Assim, uma geração conheceu o AC/DC no Brasil dos anos 1980 através do seu disco de maior sucesso, que aqui em nosso país tropical abria com a clássica faixa-título e seu riff imortal, seguida pela não menos impactante “You Shook Me All Night Long”. Lá fora, a ordem original era outra, com “Hells Bells” abrindo os trabalhos. Isso só foi corrigido quando o disco saiu em CD por aqui, mas aí o estrago já estava feito.


Tenho uma teoria sobre isso. Na minha visão, o impacto imediato de “Back in Black”, a música, é muito maior que a de “Hells Bells”, apesar de as duas serem composições excelentes. E a sequência inspirada, colocando fogo no pavio com “You Shook Me All Night Long”, “Have a Drink on Me”, “Shake a Leg” e “Rock and Roll Ain’t Noise Pollution”, cativou e formou uma geração de fãs apaixonados pelos australianos. Em um exercício de puro devaneio, me pergunto se o impacto sobre aquela geração brasileira da década de 1980, da qual faço parte, teria sido a mesma se a ordem das faixas tivesse sido lançada da maneira correta.

Independente da resposta, o fato é que Back in Black é não apenas o disco de maior sucesso e um dos melhores trabalhos do AC/DC, como, sobretudo, um dos maiores exemplos de superação e volta por cima da história da música. Um álbum que nos dá a lição, a cada nova audição, de que por maior que seja a dificuldade que estejamos passando, sempre é possível seguir em frente. Que a dor é uma fonte de inspiração tão forte, ou até mesmo maior, que a alegria de um novo dia.

Back in Black é eterno. O AC/DC é eterno. Como o rock, como a vida, como a gente.


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