O Tidal e os músicos no comando dos serviços de streaming. Ou não.

Os serviços de streaming de música são uma realidade. Quem aderiu ao Spotify, Rdio, Deezer, Google Play e qualquer outro, não volta atrás. Quem ainda não aderiu, chegará o dia que utilizará um destes aplicativos. As razões são muitas: catálogo imenso e praticamente infinito, custo baixo, praticidade, facilidade. Não faltam qualidades para os ouvintes. Para os músicos, no entanto, a história é outra.

Há uma grande discussão sobre a forma de pagamento que o sueco Spotify, o líder e principal serviço de streaming do planeta, utiliza para remunerar os músicos. Robert Fripp brigou com a empresa e retirou todo o catálogo do King Crimson do app. O AC/DC não se acertou com os suecos e não permitiu que o seu catálogo fosse disponibilizado no serviço. Os Beatles fecharam um acordo milionário com a Apple e colocaram todos os seus álbuns, de forma exclusiva, apenas no iTunes (as carreiras solo de John, Paul e Ringo estão disponíveis, menos a de George). Um dos maiores nomes do pop atual, Taylor Swift, comprou briga com o Spotify e conseguiu retirar todos os seus discos do aplicativo.

Como funciona a remuneração do Spotify? Segundo informações divulgadas pela própria empresa, o artista recebe, em média, meio cêntimo de euro a cada execução de uma música sua no serviço. O valor é variável, e é calculado através de fatores como a porcentagem de royalties negociada com cada artista, sendo que uma parte vai para a sua gravadora. Outro fator que influencia o cálculo é se o play foi dado por um usuário que assina o serviço ou um que usa o app de forma gratuita. Todas essas variáveis fazem com que, em média, cada execução no Spotify renda ao artista algo entre US$ 0,006 e US$ 0,0084 dólares. Como exemplo, se um músico tem uma faixa sua tocada 1 milhão de vezes, receberá aproximadamente 1.500 dólares do Spotify. Peguemos o Daft Punk, um dos artistas mais populares do app: o single “Get Lucky” já foi tocado, no momento em que escrevo essa matéria, 185.868.973 milhões de vezes no aplicativo, o que dá, pelos valores revelados pelo próprio Spotify, algo em torno de 279.000 dólares, cerca de 1 milhão de reais. Parece muito, mas não é, já que estamos falando de quase 200 milhões de execuções.

Aí, entra-se em um outro fator, que diz respeito a quem está do lado de cá, como eu e você: os consumidores de música. Há muito tempo - uns 10 anos, por cima, mas podemos chegar tranquilamente a 15 ou mais -, o negócio da música mudou drasticamente. Antigamente, a grande maioria da receita dos artistas vinha dos contratos fechados com as gravadoras e, por consequência, da venda de seus discos. Quanto mais discos um músico vendia, mais valioso ele era. Só que, hoje em dia e já há alguns anos, ninguém mais compra discos. A venda de música no formato físico despencou drasticamente, com a popularização dos arquivos MP3 e afins, o que levou a indústria, a passos de tartaruga e de forma confusa, buscar outra maneira de continuar fazendo o seu negócio ser lucrativo. Aí entram nomes populares na conta, como Napster, torrents, sites de download e outros, que disponibilizavam de maneira gratuita a música entre os ouvintes, algo que revolucionou o mercado e, sinceramente, não tem volta. Depois de experimentar este outro lado, ninguém quer mais pagar para ouvir música, certo?

Nem tanto. O surgimento dos serviços de streaming, tendo o Spotify à frente, mostrou que havia uma enorme parcela de pessoas em busca de facilidade e qualidade, e que estavam dispostas a pagar um valor para ter acesso a isso. A equação praticidade e preço acessível popularizou o formato, e hoje temos essa realidade relatada lá no início do texto, com o Spotify tendo, sozinho, mais de 60 milhões de usuários em todo o planeta.

É neste mercado que surge o Tidal, serviço de streaming comandado por Jay Z e que teve o seu lançamento oficial realizado ontem, 30/03. Z reuniu uma parcela do PIB da música, incluindo aí Beyoncé, Rihanna, Coldplay, Madonna, Jack White e Taylor Swift, e anunciou o lançamento do Tidal em uma coletiva de imprensa transmitida online para todo o planeta. Com a tag #TIDALforALL, o Tidal se apresentou como um serviço acessível a todos, onde os músicos teriam uma remuneração mais justa e condizente com o seu trabalho. Só que a coisa não é bem assim.

Pra começo de conversa, o Tidal está disponível por enquanto em apenas 31 países, e seu acesso é restrito a usuários que receberam convites de outros usuários. Ele não terá uma versão gratuita, como todos os seus concorrentes tem, e só estará disponível mediante o pagamento de uma mensalidade. A principal diferença em relação ao Spotify é que, enquanto o app sueco tem as suas músicas de “alta qualidade” transmitidas em arquivos de 320 kbps, o Tidal terá uma plano onde as canções serão disponibilizadas no formato loss less, onde, teoricamente, não há perda na qualidade do áudio, já que estamos falando de arquivos com 1411 kbps. 

Tudo muito bem, tudo muito bom, mas voltamos à questão levantada alguns parágrafos acima: não adianta pensar apenas no lado dos músicos e dar um passo atrás, tendo com única opção o pagamento de uma mensalidade para se ouvir música online. O ouvinte já se acostumou em não pagar para isso, e abre uma exceção aos serviços de streaming pelo baixo valor cobrado. Se fosse mais caro, as pessoas não assinariam. É o mesmo esquema no Netflix: você faz a conta e percebe que vale a pena ter uma mensalidade em torno de 20 reais por tudo que o serviço oferece. Se esse valor subir muito - como o valor proposto pelo formato loss less do Tidal, de 19,99 dólares, quase 80 reais -, as coisas começam a ficar inviáveis. Vou pagar quase 100 reais todos os meses para ouvir música online, não tangível? Por esse valor, volto a comprar mídias físicas, então.

E ainda há outro ponto: a disputa feroz no segmento do streaming musical pode levar ao surgimento de diversos serviços concorrentes, cada um oferecendo exclusividades específicas e estilos musicais, e, por consequência, causando a diminuição dos catálogos online que hoje temos acesso - só no Spotify, são cerca de 30 milhões de faixas. No futuro, vou ter que assinar três ou quatro streamings para ouvir o que eu quero? Se isso acontecer, o negócio se tornará inviável para quem tem mais interesse nisso tudo: nós, os ouvintes. 

O fato é que não adianta resolver o lado dos artistas, com uma remuneração mais justa, se isso implicar no aumento do valor pago pelos usuários. A remuneração do Spotify não é justa? Ok, então deve-se focar a discussão nesse ponto. A gratuidade no consumo de música online já está consolidado, isso é um fato. 

A discussão é complexa, interessante e repleta de fatores e pontos de vista. O Thiago Cardim expressou o dele de maneira brilhante no Judão, e recomendamos a leitura dessa matéria sobre o assunto. E, é claro, queremos ouvir o seu ponto de vista nos comentários deste post. 



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