Metal Hammer publica longo texto explicando porque a atitude racista de Phil Anselmo não deve ser ignorada


O texto, escrito pelo jornalista Paul Brannigan e publicado no site da principal revista especializada em heavy metal do planeta, pode ser lido na íntegra abaixo:

PORQUE A EXPLOSÃO DE PODER BRANCO DE PHIL ANSELMO NÃO DEVE SER IGNORADA

No fim de semana, um vídeo feito por um fã durante a edição deste ano do Dimebash, um concerto beneficente anual que reúne all-stars em memória a Dimebag Darrell, começou a sirgir online. Foi, em todos os aspectos, uma noite marcante, com Dave Grohl, Phil Anselmo, Robb Flynn, Zakk Wylde e integrantes do Metallica, Alice in Chains, Stone Sour e muito mais unindo forças para prestar homenagem a Dimebag e arrecadar fundos para o Ronnie James Dio Stand Up and Shout Cancer Fund. As filmagens mostrando Grohl, Anselmo, Robert Trujillo e Dave Lombardo tocando “Ace of Spades” do Motörhead foi especialmente comovente, tanto uma saudação à memória de Lemmy quanto um poderoso lembrete do senso comum de camaradagem e comunidade que a une a família heavy metal mundial.

E então ontem um segundo vídeo com 21 segundos apareceu no YouTube mostrando Phil Anselmo saudando a multidão após o show com um gesto Sieg Heil e uma mensagem “white power”, fazendo com que todas as boas vibrações vindas daquela noite se dissipassem.

As reações às ações de Anselmo foram variadas, e, em alguns casos, alarmantes. Alguns grandes sites especializados em rock, no momento de escrever sobre o evento, não mencionaram o incidente, um descuido vergonhoso e negligente, que mostra uma grande fraqueza editorial. Outros meios de comunicação optaram por uma cobertura com uma linguagem conciliadora, falando sobre o que Anselmo “pareceu" ter dito e “pareceu" ter feito, como se, talvez, não sejamos capazes de verificar as provas apresentadas diante de nossos olhos e ouvidos. Vamos ser claros: na noite de 22 de janeiro um dos vocalistas mais respeitados e emblemáticos em nosso mundo estava em um palco em Los Angeles, onde fez uma saudação nazista e gritou um slogan da supremacia branca. Esse são os fatos, não vamos fingir o contrário.

Poucas horas depois do vídeo aparecer online, Anselmo postou uma resposta a respeito da controversa filmagem. Afirmando que não iria soltar nenhum pedido de desculpas, insistiu que estava apenas brincando, que se tratava de uma “piada interna”, uma referência aos músicos presentes no evento estarem bebendo vinho branco, e concluiu: “Alguns de vocês precisam ser mais casca grossa”. 

“Há uma infinidade de filhos da puta para escolher com uma agenda mais realista”, acrescentou o cantor. “Porra, amo todos vocês, detesto todos vocês, é isso”. 

Vamos embora então, não há nada pra ver aqui.

Notavelmente, esta explicação francamente risível parece ter convencido uma parte significativa da comunidade rock e metal, levando jornalistas, figuras da indústria e músicos - normalmente muito rápidos em partilhar suas opiniões profundamente enraizadas e extremamente importantes em suas redes sociais - a ficaram inexplicavelmente calados sobre este tema específico. Por quê? A resposta, assumindo que a indústria não se tornou um paraíso para os apologistas racistas, só pode ser que não há um constrangimento generalizado em um membro nos deixar tão mal e pra baixo. Ou isso, ou há um monte de covardes neste negócio, com medo das consequências de se posicionar contra comportamentos repreensíveis.

Pelo seu alcance global, o lado “indústria" da comunidade heavy metal é relativamente pequeno. Cerca da metade dos jornalistas da Metal Hammer - este incluído - entrevistou Phil Anselmo pelo menos uma vez nos últimos 25 anos. Entre nosso círculo pessoal e profissional há dezenas de pessoas boas que já promoveram shows para as bandas de Anselmo, arranjando direitos de mídia para o homem, compartilhando festivais com ele ou simplesmente se divertindo em uma noite qualquer. Quase todas essas pessoas tem uma história que ajuda a promover a imagem do cantor como dono de um intimidante e inflexível caráter, dono de grande sagacidade, língua afiada e um temperamento explosivo - mas, em última análise, dono de um bom coração.

Além da indústria, é claro, há os incontáveis milhares de headbangers que já compraram ingressos para assistir o vocalista do Pantera, Down e Superjoint Ritual, e os milhões que se sentem conectados a ele através dos monumentais discos que ele gravou. Essas pessoas, depois de investirem tanto de suas vidas na arte criada por Anselmo, também irão identificar no vocalista o tipo de homem que é um “companheiro de fé”, um cara o qual você ficaria orgulhoso de chamar de irmão do metal. Esta é, provavelmente, a razão pela qual Chris R, o cara que postou os vídeos no YouTube, originalmente havia decidido cortar da edição final as ações de Anselmo, antes de mudar de ideia.

A verdade desagradável, no entanto, além da imagem icônica de Phil Anselmo é que o homem possui um histórico anterior nesse assunto. Após o lançamento de Far Beyond Driven (1994), o vocalista foi entrevistado pela MTV enquanto vestia uma camiseta da controversa banda nova-iorquina da crossover Carnivore com a imagem de três números 7, um símbolo empregado pelo grupo de supremacia branca sul-africano Afrikaner Resistance Movement.

Em março de 1995, durante um show do Pantera em Montreal, o vocalista disse à multidão que “o Pantera não é uma banda racista” e que ele e seus companheiros no grupo tinham “amigos de todas as cores e tipos”, mas que ele teve um problema com artistas de rap por eles “mijarem na cultura branca”. Além disso, Anselmo continuou, fazendo um apelo à comunidade afro-americana para acabarem com os “crimes de preto”, o que deve ser interpretado como “não há problema al matar brancos”. Pessoas brancas, insistiu o vocalista, precisavam ter mais orgulho em ser quem são. “Hoje à noite é uma coisa branca”, conclui Anselmo.

O cantor mais tarde pediu desculpas pelo seu discurso e as “palavras prejudiciais que podem ter ofendido racialmente o nosso público”, mas a controvérsia o perseguiu durante anos. Nos últimos anos, em seus momentos mais reflexivos, Anselmo não demorou a reconhecer o poder do simbolismo e da fala para propagar ódio e divisão. Em uma entrevista de 2015 para o site Hard Rock Haven, admitiu que “a posteriori” ele não teria incorporado uma bandeira confederada à arte da capa do primeiro álbum do Superjoint Ritual, e afirmou que o conteúdo lírico do segundo disco da banda - A Lethal Dose of American Hatred - foi lamentável. “Tenho um senso de humor louco e faço um monte de bobagens”, disse ele.

Então, devemos atribuir as ações de Phil Anselmo no Dimebash como outro exemplo do seu “senso de humor louco” e interpretar a saudação nazista como uma simples brincadeira? Isso parece um modo bem generoso de enxergar o que aconteceu. Anselmo é um racista? Ele constantemente nega a acusação, seja citando sua admiração por boxeadores negros ou o fato de já ter tido uma namorada negra, como se isso provasse alguma coisa -, mas o fato é que a sua atitude no palco do Dimebash não o ajuda em nada.

Uma resposta comum aos artigos sobre a atitude de Phil Anselmo foi “quem se importa?”. Por trás dessa reação contundente, ainda que em um modo inconsciente, está o argumento de que seria sensato separar o artista da arte que ele produz. É um ponto válido: certamente o Rock and Roll Hall of Fame seria muito menos povoado se todos os abusadores de crianças, espancadores de mulheres e racistas fossem eliminados de suas fileiras.

Mas enquanto jamais alguém irá sugerir que você comece a atear fogo em seus discos do Pantera, Down ou Superjoint Ritual em resposta aos acontecimentos de 22 de janeiro, como uma comunidade devemos ser capazes de apontar os erros quando eles acontecem e não fechar nossos olhos para a intolerância, o preconceito e a ignorância, não encarando e enfrentando questões difíceis. O metal possui uma reputação orgulhosa de inclusão e tolerância, de abrigar e nutrir os oprimidos e maltratados, e essas características mantiveram-se fundamentais para a cena, transformando-se em um movimento verdadeiramente global.

Seria ingênuo fingir que não existem racistas à espreita dentro dessa comunidade feliz - leia os comentários abaixo do post sobre as ações de Anselmo na página da Metal Hammer no Facebook se você tiver alguma dúvida disso -, mas assim como figuras célebres do heavy metal buscaram inspiração no lado mais escuro da natureza humana, uma cena que elogia a individualidade, a diversidade e a liberdade de expressão não combina com o pensamento racista intolerante. Na mesma semana em que o mundo marca o Dia do Memorial pelo Holocausto não deve ser realmente preciso dizer que os símbolos de extrema-direita para cooptação e seus slogans não são corretos, e Phil Anselmo não possui um passe livre por ser um ícone aos nossos olhos. 

Fodam-se os nazistas e foda-se o ódio racial: abrigar todos os credos e todos os tipos de gente é o que nos torna completos e mais fortes.

(Tradução: Ricardo Seelig)


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