Jaco Pastorius, um super-herói do jazz


Quem é o maior baixista do mundo? John Francis Anthony Pastorius III, nascido na Pensilvânia em 1951, mudando-se para a Flórida ainda criança, provavelmente lhe diria: "Prazer, meu nome é Jaco Pastorius, o maior baixista do mundo".

Pois foi assim que ele se apresentou ao baterista Bobby Colomby do Blood, Sweat & Tears após um show da banda, que pagou pra ver o que o jovem de 25 anos poderia fazer com o instrumento de 4 cordas. E, abismado com o talento de Jaco (que começou com 13 anos ainda na bateria, - instrumento de seu pai - até migrar para o baixo após sofrer uma lesão no pulso na prática de esportes que tanto amava), o levou para Nova York para gravar pela Columbia Records seu primeiro disco rodeado por grandes músicos, chamando a atenção de meio mundo de astros do jazz como Wayne Shorter e Herbie Hancock.

O mesmo se deu quando Jaco - apelido possível dada à sombra do pai músico, o baterista 'Jack' Pastorius, que esteve boa parte do tempo ausente de sua infância - se  apresentou ao famoso tecladista Joe Zawinul, fundador do Weather Report, uma das maiores bandas do jazz fusion e muito inovadora da época, que, para surpresa de muitos, o escolheu para substituir o baixista tcheco Miroslav Vitouš com seus inovadores harmônicos e solos.


O documentário Jaco: The Film, produzido pelo baixista do Metallica Robert Trujillo, mostra a trajetória do gênio atormentado do jazz, entrecortado por belas imagens de sua infância na ensolarada Flórida, com seus irmãos, mãe e o pai músico, envolvido em um ambiente de música livre, ouvindo de tudo sem preconceito, especialmente jazz, música cubana e latina, música clássica e rock. 

O filme traça um rico panorama da vida de Jaco Pastorius, tentando investigar o seu fim trágico (entrou em coma após ser espancado por seguranças de um bar em 1987 após assistir anum show de Santana, morrendo na sequênca, já no período em que morava em um parque nas ruas), além dos desafios do músico em conciliar seus problemas psiquiátricos, fama precoce, álcool e drogas com a vida familiar que tanto cultivava. 

Jaco foi pai cedo de um casal de filhos no primeiro casamento com Tracy (da canção "Portrait of Tracy”"), e mais tarde de gêmeos do segundo casamento com Ingrid. O documentário mostra ainda o duro começo quando, sem dinheiro, retira à faca os trastes do baixo elétrico para soar como um contrabaixo - com incrível som inovador, tocando tudo que sente e mostrando no palco já uma personalidade altamente instável que refletia a vida particular por vezes conturbada e os abalos psiquiátricos de uma doença que somente depois seria diagnosticada: a bipolaridade que lhe causou uma vertiginosa autodestruição após a rápida ascensão no cenário musical.  

"Jaco era de um virtuosismo indignante.

Geddy Lee, do Rush.


O documentário passeia por depoimentos de músicos famosos, a maioria baixistas influenciados pela inovadora técnica do Hendrix do baixo, tais como Sting, Geddy Lee, Flea, Bootsy Collins, Victor Wooten, além de seus companheiros de banda e carreira como Joni Mitchell (com quem gravou o ótimo álbum Hejira), além dos depoimentos emocionados de seus filhos e recortes da sua vida familiar, inclusive telefonemas trocados com o pai já no auge de sua crise de depressão e bipolaridade nos anos 1980.

E apesar do drama do final de sua estrondosa carreira relâmpago, com forte marco de influência no jazz e na música em geral, o documentário é extremamente elegante, detalhista sem ser sensacionalista, respeitando a memória do grande músico, pai e companheiro de banda divertido, mostrando suas arrasadoras (e exageradas) performances sem deixar de abordar com discrição e imparcialidade seus problemas psiquiátricos e seu trágico fim, quando até mesmo passou a morar na rua e tocar em barzinhos em Nova York.

Interessante ainda é ver partes de shows raros, filmes caseiros, entrevistas e cenas que mostram a tensão entre Joe Zawinul e Jaco, duelando pela liberdade criativa e liderança de uma banda de feras como o Weather Report. Como se fala em um determinado momento, tal qual "duas cobras em uma jaula muito pequena". 

Bacana ainda são os depoimentos dos baixistas de rock, jazz, fusion e soul acerca da importância da obra do grande Jaco Pastorius nas suas carreiras, entremeado pela riquíssima trilha sonora.

"É sempre o mesmo de Miles e outros, é como um superhero”, nas palavras de Wayne Shorter. Sim, Jaco foi um super-herói. Triste é ver que seus poderes não lhe salvaram no fim, mas sua música ficou para sempre.



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