Discoteca Básica Bizz #185: Elvis Costello - My Aim is True (1977)



A virada na sorte de Declan McManus veio ao cruzar com um maluco de carteirinha de nome Jake Riviera, produtor da banda pré-punk inglesa Dr. Feelgood. Riviera abrira em sociedade com o amigo David Robinson um selo independente chamado Stiff. Com conceitos um tanto ortodoxos do que deveria ser o rock and roll (cabe aí a influência de nomes americanos selvagens como Iggy Pop e Ramones), ele levou para o elenco artistas considerados malditos - como Graham Parker e o também produtor Nick Lowe - e algumas bandas do então crescente levante punk londrino, entre elas o Damned.

A grande zebra do Stiff, porém, foi a figura tímida, nerd e desengonçada de McManus, um misto de Buddy Holly e Hank B. Marvin, líder dos Shadows. Melodista de mão cheia, o azarão rebatizado como Elvis Costello (homenagens ao rei do rock e ao comediante gordo da dupla Abbott & Costello) não só passou a perna em todos os companheiros de selo, como acabou no mesmo bolo da polvorosa instalada pelas músicas de protesto e anarquia de Clash e Sex Pistols. Em 1977, McManus, que só queria ser baladeiro na vida, entrou para a história como um dos pilares do punk rock, muito por culpa de seu primeiro single, "Less Than Zero", cujos versos punham em xeque ideais fascistas.

O álbum de estreia, My Aim is True, foi o grande contraponto para o turbilhão que varria a Inglaterra de xingamentos contra a família real, a decadência política e a desesperança socioeconômica. Acompanhado pela banda Clover (que não recebeu os créditos por questões contratuais) e produzido por Lowe, Costello destilava pérolas melódicas de extrema beleza. Mantinha um pé na tradição dos anos 1950 e 1960 (não à toa, o maestro Burt Bacharach, com quem gravou um álbum em 1998, é o seu maior ídolo) e, ao mesmo tempo, traçava conexões com dois movimentos que estavam por vir: a new wave e o ska two-tone.


Modestas 24 horas de estúdio, entre gravação e mixagem, acabaram sendo o suficiente para que fosse reunido um punhado de riffs, melodias e refrãos poderosos. Doze faixas entraram na edição original. No entanto, sobras, demos, gravações para rádios e o hit "Watching the Detectives" foram incluídos na edição destinada ao mercado americano. Puxado por esse sucesso, um irresistível ska com orgãozinho adicionado por Steve Nieve, o álbum apontava para baladas escancaradamente apaixonadas ("Alison"), flertava com as cordas country ("Stranger in the House"), estilizava o pop do começo dos anos 1960 ("Miracle Man") e também trazia um pouco da fúria do espírito daquela época ("Mystery Dance"). Essa combinação explosiva fez com que My Aim is True fosse eleito o álbum do ano pela revista Rolling Stone.

No ano seguinte, já como músico 24 horas por dia e na companhia daquela que viria a ser por muitos anos sua banda de apoio (o trio The Attractions), Costello aperfeiçoaria em This Year’s Model a semente plantada em My Aim is True. Até que, em 1979, explodiria para o estrelato com o estouro do álbum Armed Forces e os hits "Oliver's Army", "Peace, Love & Understanding" e "Accidents Will Happen".

Depois de experimentar trabalhos mais intimistas e gravar outros menos inspirados, Costello só voltou a repetir a popularidade do fim dos anos 1970 quando regravou, em 1999, a balada "She" (do francês Charles Aznavour) para a trilha sonora do filme Um Lugar Chamado Notting Hill, estrelado por Julia Roberts e Hugh Grant.

Texto escrito por Abonico R. Smith e publicado na Bizz #185, de dezembro de 2000

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