
A virada na sorte de Declan McManus veio ao cruzar com um
maluco de carteirinha de nome Jake Riviera, produtor da banda pré-punk inglesa
Dr. Feelgood. Riviera abrira em sociedade com o amigo David Robinson um selo
independente chamado Stiff. Com conceitos um tanto ortodoxos do que deveria ser
o rock and roll (cabe aí a influência de nomes americanos selvagens como Iggy
Pop e Ramones), ele levou para o elenco artistas considerados malditos - como
Graham Parker e o também produtor Nick Lowe - e algumas bandas do então
crescente levante punk londrino, entre elas o Damned.
A grande zebra do Stiff, porém, foi a figura tímida, nerd
e desengonçada de McManus, um misto de Buddy Holly e Hank B. Marvin, líder dos
Shadows. Melodista de mão cheia, o azarão rebatizado como Elvis Costello
(homenagens ao rei do rock e ao comediante gordo da dupla Abbott &
Costello) não só passou a perna em todos os companheiros de selo, como acabou
no mesmo bolo da polvorosa instalada pelas músicas de protesto e anarquia de
Clash e Sex Pistols. Em 1977, McManus, que só queria ser baladeiro na vida,
entrou para a história como um dos pilares do punk rock, muito por culpa de seu
primeiro single, "Less Than Zero", cujos versos punham em xeque
ideais fascistas.
O álbum de estreia, My Aim is True, foi o grande
contraponto para o turbilhão que varria a Inglaterra de xingamentos contra a
família real, a decadência política e a desesperança socioeconômica.
Acompanhado pela banda Clover (que não recebeu os créditos por questões
contratuais) e produzido por Lowe, Costello destilava pérolas melódicas de
extrema beleza. Mantinha um pé na tradição dos anos 1950 e 1960 (não à toa, o
maestro Burt Bacharach, com quem gravou um álbum em 1998, é o seu maior ídolo)
e, ao mesmo tempo, traçava conexões com dois movimentos que estavam por vir: a
new wave e o ska two-tone.

Modestas 24 horas de estúdio, entre gravação e mixagem,
acabaram sendo o suficiente para que fosse reunido um punhado de riffs,
melodias e refrãos poderosos. Doze faixas entraram na edição original. No
entanto, sobras, demos, gravações para rádios e o hit "Watching the
Detectives" foram incluídos na edição destinada ao mercado americano.
Puxado por esse sucesso, um irresistível ska com orgãozinho adicionado por
Steve Nieve, o álbum apontava para baladas escancaradamente apaixonadas
("Alison"), flertava com as cordas country ("Stranger in the
House"), estilizava o pop do começo dos anos 1960 ("Miracle
Man") e também trazia um pouco da fúria do espírito daquela época
("Mystery Dance"). Essa combinação explosiva fez com que My Aim
is True fosse eleito o álbum do ano pela revista Rolling Stone.
No ano seguinte, já como músico 24 horas por dia e na
companhia daquela que viria a ser por muitos anos sua banda de apoio (o trio
The Attractions), Costello aperfeiçoaria em This Year’s Model a
semente plantada em My Aim is True. Até que, em 1979, explodiria para o
estrelato com o estouro do álbum Armed Forces e os hits "Oliver's
Army", "Peace, Love & Understanding" e "Accidents Will
Happen".
Depois de experimentar trabalhos mais intimistas e gravar
outros menos inspirados, Costello só voltou a repetir a popularidade do fim dos
anos 1970 quando regravou, em 1999, a balada "She" (do francês
Charles Aznavour) para a trilha sonora do filme Um Lugar Chamado Notting
Hill, estrelado por Julia Roberts e Hugh Grant.
Texto escrito por Abonico R. Smith e publicado na Bizz #185,
de dezembro de 2000
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