Lançado em 29 de setembro de 1986, Somewhere in Time marcou uma guinada sonora do Iron Maiden, com o uso de guitarras sintetizadas e atmosferas futuristas. Mas entre as camadas de teclados e arranjos épicos, há um elemento que brilha com intensidade singular: a bateria de Nicko McBrain. Quase quatro décadas após sua gravação, a performance de Nicko nesse álbum continua a impressionar por sua técnica, criatividade e musicalidade.
Vamos a uma análise faixa a faixa:
1. Caught Somewhere in Time
Logo de início, Nicko entrega uma performance
arrebatadora. Os viradas em compasso composto, a fluidez nos pratos e a
condução poderosa criam um clima de urgência. A forma como ele alterna entre o
ride e os tons nos trechos instrumentais mostra uma atenção minuciosa aos
detalhes da música.
2. Wasted Years
Embora mais contida em termos de complexidade, a bateria
aqui é marcada por um groove sólido e elegante. Nicko mostra sua habilidade de servir
à música, construindo uma base firme para o riff marcante de Adrian Smith. Os
toques sutis no chimbal e as viradas contidas mostram que menos, às vezes, é
mais.
3. Sea of Madness
Um dos grandes destaques do álbum. A bateria nessa faixa
é explosiva e imprevisível. Nicko brinca com acentuações inusitadas e variações
de andamento, criando uma sensação de caos controlado que casa perfeitamente
com a letra. As viradas no refrão e a condução durante o solo são pura aula de
criatividade.
4. Heaven Can Wait
A introdução já entrega a assinatura de Nicko: ataque
preciso, pedal veloz e caixa com pegada. Ele injeta energia constante, mesmo
nas partes mais repetitivas, usando pequenos detalhes para manter tudo pulsando
— repare nos floreios entre os versos e a forma como ele costura os diversos
segmentos da música.
5. The Loneliness of the Long Distance Runner
Aqui, Nicko brinca com os tempos e mantém um drive
frenético. É uma das performances mais atléticas do disco. As viradas são
ousadas, às vezes quase quebrando a expectativa, e o uso dos tons médios e do
surdo cria uma paisagem sonora única. É uma corrida de resistência — e Nicko
lidera com fôlego de sobra.
6. Stranger in a Strange Land
A batida arrastada, quase grooveada, mostra uma faceta
diferente do baterista. Nicko usa o espaço com sabedoria, preenchendo com
pratos e pausas bem calculadas. É uma música mais cadenciada, e ele injeta um
ar de mistério e suspense com sutileza rítmica.
7. Deja-Vu
Uma faixa subestimada com um dos trabalhos mais
intrincados de Nicko no álbum. O uso criativo de viradas sincopadas e a
movimentação constante no kit fazem desta uma aula de inventividade. A condução
é precisa e energética, com um senso de urgência constante.
8. Alexander the Great
Encerrando o álbum com grandiosidade, Nicko entrega uma
performance quase cinematográfica. Ele mistura conduções militares, grooves
pesados e viradas dramáticas com maestria. A dinâmica entre as seções é
impressionante — é como se ele estivesse contando a história junto com Bruce
Dickinson, mas através das baquetas.
Nicko McBrain sempre foi um baterista técnico e expressivo, mas em Somewhere in Time ele parece ter alcançado um equilíbrio raro entre técnica, musicalidade e originalidade. Compare, por exemplo, com o álbum anterior, Powerslave (1984): lá temos a exuberância de faixas como “Aces High”, “Powerslave” e “Rime of the Ancient Mariner”, com execução precisa e intensa, mas talvez menos “aventureira” em termos de arranjos de bateria. Já em Seventh Son of a Seventh Son (1988), Nicko continua brilhante, especialmente na faixa-título, mas a produção mais polida e o foco maior nos sintetizadores podem ter reduzido o impacto de sua performance.
Nos anos 1990, em álbuns como Fear of the Dark (1992), Nicko permanece firme, mas o conteúdo mais direto das músicas exigia menos complexidade. O mesmo vale para o ótimo trabalho em Brave New World (2000), com destaque para a energia e resistência, mas sem tanta ousadia criativa como em Somewhere in Time.
Nicko McBrain em Somewhere in Time está em estado de graça. Sua bateria é um personagem à parte, que contribui para o clima futurista do álbum com uma mistura de técnica, feeling e inventividade que raramente foi igualada, mesmo dentro da vasta discografia do Iron Maiden.
Seria essa a melhor performance de Nicko McBrain em um álbum do Maiden? A resposta pode variar, mas certamente é uma das mais memoráveis — e uma que continua desafiando e encantando fãs e bateristas até hoje.
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