E se eu te dissesse que Bruce Dickinson lançou um dos discos mais injustamente esquecidos do heavy metal dos anos 1990, e que ele nasceu de um período turbulento e de reinvenção? Lançado em 1994, Balls to Picasso marcou o primeiro trabalho solo de Bruce após deixar o Iron Maiden, num momento em que o grunge dominava e o metal clássico parecia datado. Livre das amarras, o vocalista buscava um som mais pessoal, menos preso à fórmula que o consagrou.
Antes de chegar à versão final, o disco passou por várias formações e tentativas. Foi só ao se unir ao guitarrista Roy Z e à banda Tribe of Gypsies que Bruce encontrou a química certa, resultando em um álbum que mescla metal tradicional, hard rock e pitadas de blues e groove, com uma produção crua e direta, bem diferente da grandiosidade épica do Maiden.
As faixas mostram essa liberdade criativa. “Cyclops” abre com peso e atmosfera sombria, “Hell No” é um grito de afirmação, “Laughing in the Hiding Bush” traz energia e pegada, “Shoot All the Clowns” flerta com o swing do hard rock setentista e “Sacred Cowboys” esbanja sarcasmo. Mas o grande momento é “Tears of the Dragon”, uma balada épica, melancólica e reflexiva que se tornou o hino definitivo da carreira solo de Bruce.
O legado de Balls to Picasso não está em cifras de vendas ou aclamação imediata, mas no seu papel como ponto de virada. Foi aqui que Bruce plantou as sementes de sua parceria com Roy Z, que floresceria em obras-primas como Accident of Birth (1997) e The Chemical Wedding (1998). É o retrato de um artista rompendo correntes, explorando novos caminhos e provando que ainda tinha muito a dizer — mesmo em um cenário pouco receptivo ao metal tradicional.
Mais de trinta anos depois, Bruce Dickinson revolveu revisitar o álbum em More Balls to Picasso. O que o vocalista fez aqui foi o seguinte: inseriu novos instrumentos, alterou sutilmente os arranjos, colocou elementos sonoros, teclados e orquestrações, e mexeu na mixagem do disco. E aqui vai uma opinião pessoal sobre iniciativas como essa: assim como o artista é livre para fazer o que quiser com a sua obra, nós, os fãs, também somos livres para gostar ou não desses “ajustes” – que são, convenhamos, na maioria das vezes desnecessários.
Em relação a More Balls to Picasso, o que chama a atenção de imediato é o maior peso das canções, como se camadas extras de guitarras tivessem sido adicionadas – o que não está longe da verdade. “Cyclops”, que abre o play e é uma espécie de “War Pigs” da carreira solo de Bruce, com andamento cadenciado e riff hipnótico, ganhou um peso cavalar e ficou ainda mais efetiva. Já canções como “Laughing in the Hiding Bush” não foram tão beneficiadas, soando “abafadas” e muito próximas da loudness war que comprometeu tantos álbuns no passado, como foi o caso de Death Magnetic (2008), do Metallica. O ganho de peso é um ponto positivo em algumas canções, mas isso comprometeu a dinâmica dos instrumentos, tornando a sonoridade “cheia” em demasia. Além disso, os elementos adicionados – efeitos sonoros, teclados e orquestrações -, não comprometem mas também não agregam muito. O ponto negativo está justamente na canção mais conhecida do álbum, a clássica “Tears of the Dragon”, em que os teclados e orquestrações só conseguiram incluir elementos bregas e de gosto discutível no resultado final.
More Balls to Picasso é um experimento, e deve ser entendido assim. A sua existência não apaga o álbum original, que é um dos mais inovadores e corajosos da trajetória solo de Bruce Dickinson e segue soando como um dos seus maiores acertos. Como experimento, More Balls to Picasso acerta em alguns momentos e não funciona bem em outros, e essa opinião é muito pessoal de cada ouvinte. Mas uma coisa é certa: para fãs da carreira solo do vocalista do Iron Maiden, é um item obrigatório que não pode faltar na coleção.
A edição brasileira lançada pela Wikimetal é linda, com um digisleeve de três faces, encarte de 20 páginas e tiragem de 1.000 cópias.
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