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Faroeste, balas e ética: o cinema em quadrinhos de O Procurador (2022, Pipoca & Nanquim)


O Procurador
é mais uma prova de como o faroeste continua sendo um terreno fértil para grandes histórias em quadrinhos — especialmente quando cai nas mãos de criadores que conhecem profundamente o gênero. Escrito por Gianfranco Manfredi — roteirista italiano com longa trajetória na Bonelli e criador de uma das melhores séries da editora italiana, a clássica Mágico Vento — e ilustrado por Pedro Mauro — um dos artistas brasileiros mais experientes e versáteis em atividade, autor da elogiadíssima Trilogia Gatilho —, o álbum publicado pela Pipoca & Nanquim em 2022 é uma aula de narrativa clássica. Vale mencionar que o título faz parte do selo Originais Pipoca & Nanquim e saiu primeiramente no Brasil, e só depois ganhou edições na Itália e na Espanha.

A HQ nasce de uma tradição que vem desde Tex e Ken Parker, mas dialoga também com o western moderno do cinema, de ícones como Clint Eastwood e Kevin Costner. Manfredi, que já havia demonstrado domínio absoluto da ambientação e dos arquétipos do gênero, constrói aqui uma história direta e elegante, centrada no personagem-título James Jennings, um procurador britânico enviado ao Texas e que combina boas maneiras e precisão letal com o revólver. Um personagem curioso, meio deslocado, que parece saído de um romance de cavalaria direto para o Velho Oeste.

O roteiro evita reviravoltas mirabolantes e aposta na estrutura clássica: um homem solitário, senso de justiça e atos de heroísmo. A diferença está na forma como Manfredi trabalha a moralidade de seu protagonista — Jennings não é nem o mocinho tradicional nem o anti-herói cínico dos westerns revisionistas, mas um sujeito que age de acordo com uma ética própria, e isso torna sua trajetória mais humana. Dividida em três atos, a história se passa no período final do Velho Oeste, época marcada pelo contraste entre costumes e hábitos tradicionais e a era moderna dos grandes centros urbanos dos Estados Unidos, como Nova York.



A arte de Pedro Mauro está ótima. Em preto e branco, com traço firme e composição cinematográfica, dá ao quadrinho uma densidade visual que impressiona. Cada página é montada com clareza e ritmo. A ausência de cores realça o contraste entre luz e sombra, ampliando o peso dramático das cenas e reforçando a melancolia do Oeste em declínio.

O Procurador é o tipo de HQ que não tenta reinventar o faroeste — e nem precisa. Ele existe para lembrar que, quando o trabalho é bem-feito, o Velho Oeste ainda pode soar fresco, potente e emocional. É uma HQ que honra o passado do gênero, ao mesmo tempo em que afirma a maturidade artística de Pedro Mauro e o faro narrativo de Manfredi, infelizmente já falecido e aqui em um dos seus últimos trabalhos. Uma leitura certeira para quem acredita que o faroeste, quando bem contado, nunca sai de moda.


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