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Undertaker, o faroeste moderno que honra as raízes do gênero (2024, Pipoca & Nanquim)


Criada por Xavier Dorison (roteiro), Ralph Meyer (arte) e Caroline Delabie (cores), Undertaker é uma das HQs mais aclamadas do faroeste contemporâneo. Publicada originalmente pela Dargaud a partir de 2015, a série francesa resgata a essência do gênero com elegância e brutalidade, mesclando o heroísmo crepuscular de Blueberry com a densidade moral típica dos westerns mais recentes do cinema.

O protagonista é Jonas Crow, um coveiro itinerante que carrega um passado sombrio como ex-soldado da Guerra Civil Americana. Acompanhado por uma governanta inglesa e uma senhora chinesa, ele viaja por um Velho Oeste decadente, enterrando corpos e desenterrando verdades — sobre si mesmo e sobre o país que o moldou. Dorison constrói um roteiro que alterna entre a melancolia da redenção e a violência inevitável do faroeste. Cada arco traz um novo dilema moral, e a morte — presença constante — é tratada menos como tragédia e mais como destino.

Visualmente, Undertaker é deslumbrante. Meyer desenha com precisão cirúrgica, combinando realismo expressivo e enquadramentos cinematográficos. Suas paisagens áridas, as texturas do couro e da poeira, e o olhar cansado de Crow formam um retrato poderoso de um mundo em decomposição. As cores de Caroline Delabie completam o espetáculo: tons terrosos, luz difusa e contrastes de pôr do sol que parecem emanar calor. É uma HQ que dá vontade de ler devagar, página por página, só pra admirar o trabalho artístico.

As influências são claras — Blueberry está no DNA da série, mas Undertaker não vive à sombra do clássico de Jean-Michel Charlier e Jean Giraud – que mais tarde assumiria a alcunha de Moebius. Ele traduz o faroeste para o século XXI, mais direto, mais violento e, paradoxalmente, mais humano. Jonas Crow é um anti-herói sem esperança, contraditório e guiado por um código moral em ruínas.

A edição brasileira da Pipoca & Nanquim reúne os seis primeiros álbuns da série em um volume único de 332 páginas, em formato europeu grande (23 x 31 cm), capa dura e impressão impecável em papel couchê de alta gramatura. O acabamento é de alto padrão, o tipo de edição feita para durar — e para ocupar lugar de destaque na estante.

Undertaker é o tipo de quadrinho que reconcilia tradição e modernidade. Respeita o legado dos mestres europeus e, ao mesmo tempo, aponta novos rumos para o faroeste nos quadrinhos. É uma leitura densa, visualmente espetacular e com alma — algo raro num gênero onde a morte costuma falar mais alto que os vivos.

Uma das melhores HQs de faroeste das últimas décadas, em uma edição definitiva à altura do nome.

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