Depois do sucesso artístico e técnico de Six Degrees of Inner Turbulence (2002), o Dream Theater sentiu a necessidade de mudar de direção. O progressivo épico e grandioso do disco anterior cedeu espaço a algo mais direto, sombrio e pesado. Train of Thought, lançado em novembro de 2003, nasceu dessa vontade de explorar os limites entre o metal progressivo e o metal puro — um álbum que soava como se o Metallica tivesse decidido estudar contrapontos com o Rush.
A decisão partiu de Mike Portnoy e John Petrucci, que, durante as turnês de Six Degrees, perceberam que as partes mais pesadas provocavam a resposta mais intensa do público. O resultado foi o álbum mais sombrio e agressivo da carreira do Dream Theater, composto praticamente em um único fluxo criativo, algo que se reflete na coesão e na densidade do material. Gravado em pouco mais de três semanas, Train of Thought é o disco onde a banda mais se aproxima do metal tradicional, sem abrir mão da precisão técnica que sempre a definiu.
O álbum abre com “As I Am”, uma faixa que parece uma declaração de intenções. O riff arrastado e o solo de Petrucci — um dos mais inspirados de sua carreira — apresentam o tom do disco: menos floreios, mais impacto. “This Dying Soul”, continuação direta da saga pessoal de Portnoy sobre dependência e redenção iniciada em “The Glass Prison”, é uma aula de dinâmica e estrutura rítmica. “Endless Sacrifice” alterna momentos de introspecção com explosões de peso, enquanto “Honor Thy Father” se destaca pela fúria visceral e pela letra confrontadora sobre traumas familiares.
O lado mais experimental aparece em “Vacant”, uma breve e melancólica pausa conduzida por piano e violoncelo, que prepara o terreno para o mergulho instrumental de “Stream of Consciousness”, um dos grandes momentos instrumentais da banda, onde técnica e emoção caminham juntas. O encerramento com “In the Name of God” é monumental: onze minutos que condensam tudo o que o Dream Theater representa, com letra que aborda o fanatismo religioso e arranjos que beiram o apocalíptico.
Metallica, Pantera, Tool e até Megadeth surgem como sombras na estrutura das músicas. Mas o Dream Theater nunca soa como uma cópia — apenas mais visceral. Train of Thought é o álbum onde o virtuosismo da banda é colocado a serviço da agressividade, e não o contrário.
Muitos fãs estranharam a falta de longas passagens sinfônicas e os timbres mais crus. Mas com o passar dos anos, Train of Thought ganhou o status de obra cult dentro da discografia da banda. É o registro que melhor traduz a faceta sombria do Dream Theater: um trabalho de catarse, raiva e foco, que mostrou que o progressivo também pode soar brutal sem perder profundidade.
Revisitá-lo hoje é perceber o quanto ele influenciou toda uma geração de músicos que buscavam unir técnica e peso com propósito. Train of Thought é o Dream Theater com os dentes à mostra — e, justamente por isso, continua sendo um dos discos mais intensos e honestos que o grupo já gravou.
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