Ritchie Blackmore’s Rainbow (1975) merece ser observado com mais atenção do que o simples rótulo de “álbum de estreia”. Trata-se, na prática, de um disco de ruptura e reconstrução. Blackmore não estava apenas montando uma nova banda após o Deep Purple: ele estava reorganizando sua própria linguagem musical, filtrando excessos do hard rock baseado no blues e abrindo espaço para uma abordagem mais imagética, quase narrativa.
Diferente do Deep Purple, onde riffs e solos disputavam protagonismo, aqui Blackmore parece interessado em criar cenários sonoros. As músicas não são apenas tocadas, elas sugerem lugares, épocas e estados de espírito. Isso fica evidente em “Sixteenth Century Greensleeves”, onde o flerte com melodias tradicionais e escalas de inspiração renascentista não soa como ornamento, mas como estrutura.
Ronnie James Dio é peça central nesse processo. Sua performance vai além da potência vocal: há intenção dramática em cada frase. Dio canta como quem conta histórias antigas, e isso redefine o papel do vocalista dentro do hard rock. Em “The Temple of the King”, por exemplo, a interpretação sustenta a música quase sozinha, transformando uma composição simples em algo solene, carregado de simbolismo. Aqui, não há espaço para o vocalista “de banda de rock” tradicional, Dio já surge como narrador épico.
Ritchie Blackmore, por sua vez, toca com surpreendente contenção. Seus solos raramente são longos ou exibicionistas, eles entram quando precisam entrar e saem antes de se tornarem previsíveis. Em “Catch the Rainbow”, sua guitarra trabalha mais como extensão emocional da voz de Dio do que como instrumento solista. Essa escolha revela um músico consciente de que o impacto vem do conjunto, não da soma de virtuosismos isolados.
Ainda assim, o disco não está livre de tensões internas. “Still I’m Sad” funciona quase como um manifesto instrumental, mas também denuncia certa indecisão estética. O clima é hipnótico, a execução é impecável, mas a faixa soa mais como um exercício de atmosfera do que como uma composição essencial. É o tipo de música que revela um artista testando limites, ainda sem total clareza de até onde quer ir.
Do ponto de vista histórico, o álbum também carrega um peso simbólico: ele antecipa o surgimento de um hard rock mais imagético e menos urbano, algo que influenciaria diretamente o heavy metal épico e até o power metal pouco mais de uma década depois. Letras sobre reis, montanhas prateadas e tempos antigos não são apenas temas: são declarações de intenção. Blackmore e Dio estão se afastando deliberadamente do presente para criar algo atemporal.
Se há um ponto que impede Ritchie Blackmore’s Rainbow de ser uma obra definitiva, é justamente sua natureza exploratória. O disco soa, em vários momentos, como um mapa sendo desenhado enquanto a viagem acontece. Mas é exatamente isso que o torna fascinante. Aqui estão os alicerces: a estética, a parceria, a ambição. Tudo o que o Rainbow viria a se tornar já está presente ainda em estado bruto, mas inconfundível.
Mais do que um começo, este álbum é um ensaio de identidade. E, nesse sentido, poucos discos de estreia conseguem ser tão reveladores, tão honestos e tão decisivos quanto Ritchie Blackmore’s Rainbow.
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