Entrevista exclusiva: Ugo Medeiros bate um papo com Otávio Rocha, guitarrista do Blues Etílicos


Por Ugo Medeiros
Colecionador
Coluna Blues Rock

Ugo Medeiros – O Blues Etílicos lançou recentemente o 10º álbum da carreira, "Viva Muddy Waters", pela Delira Blues. Para uma banda que sempre fez um blues com sotaque brasileiro, por que gravar um CD de Chicago Blues?

Otávio Rocha – Nós sempre sentimos a música como uma coisa única. Procuramos sempre tocar o que deixasse a banda confortável musicalmente. De uma maneira geral, tudo é música, o blues é uma música ampla. Se você tiver uma boa base de blues, pode colocar um pouco de reggae, por exemplo. Na realidade, sentimos que as pessoas estão deixando as raízes de lado. Todos temos que ter raízes. Sentimos a necessidade de buscar no Muddy Waters, que sempre foi uma de nossas principais influências, essa volta às raízes. Infelizmente muitos da geração mais jovem não conhecem Muddy Waters. Através do Blues Etílicos passam a conhecê-lo e outros mestre do blues, é muito importante.

O repertório de Muddy é muito extenso. Como foi a seleção das faixas? Quem escolheu as músicas? Houve algum critério, por exemplo evitar as mais manjadas? Não há "Got My Mojo Workin’", "Hoochie Coochie Man", "I Just Want to Make Love With You" ...

Todos da banda sempre escutaram Muddy Waters, sendo um dos poucos nomes que era um consenso. Nós procuramos evitar as mais manjadas. Cada um fez uma audição individual mais detalhada, separando as músicas com a sonoridade da banda e do Greg Wilson (vocalista). Após essa primeira fase, cada um deu sua lista. A grande surpresa é que havia cinco ou seis músicas que eram comuns. A partir daí vimos as outras que o Flávio Guimarães (vocalista e gaitista) queria realmente cantar, outra que eu achava que essencial ...

Teve alguma música que você gostaria de ter gravado e que ficou de fora do CD?

"Louisiana Blues". Ela tem um tempo quase ímpar. Quem escuta John Lee Hoocker e Muddy, percebe que os compassos não são certos. Tocam em cima da voz, justamente o atrativo deles. Essa ficou muito interessante, mas infelizmente não deu tempo de desenvolvê-la melhor. Se houver um volume 2, estará presente. O repertório de Muddy é muito rico, possibilita fazer volume 1, 2, 3, sem colocar as mais “manjadas”.

O Charles Musselwhite deu uma música para a banda. Como foi isso?

Desde 1995 ele é muito amigo do Flávio. Eu já havia gravado uma sessão com ele e o Flávio, e ano passado tive a honra de acompanhá-lo no Festival de Rio das Ostras. Para mim foi o divisor de águas na minha vida, pois acompanhá-lo na guitarra, sozinho, é muita responsabilidade; cresci muito musicalmente. Quando contamos o nosso projeto, nos disse que tinha essa letra pronta, mas havia gravado como um blues tradicional (praticamente não tinha utilizado). Ele nos deu a letra com total autonomia na parte instrumental. Fizemos um arranjo num estilo Delta moderno.

Além do Blues Etílicos, você formou o Blues Groovers com Ugo Perrota (baixo) e Beto Werther (bateria). Talvez seja a única sideband de blues do Brasil, ou seja, que só toca acompanhando outros músicos: Big Gilson (com o nome de Rio Dynamite), Flávio Guimarães, Maurício Sahady e Álamo Leal. Vocês já pensaram em também fazer shows só em trio, iniciando uma carreira própria da banda?

Volta e meia pensamos nisso sim, mas é uma sideband. Acho legal podermos acompanhar esses músicos e fazer um som de qualidade. O Flávio gosta de um tipo de som, já o Gilson gosta de outra coisa, o Maurício também ... Gosto de aprender constantemente com esses caras. Pode ser que um dia nós façamos. Mas a questão é: quem iria cantar? Apesar de o Beto Werther ter uma voz muito boa, acredito que o papel do Blues Groovers seja acompanhar artistas variados.

Cada artista tem seu estilo. Não é difícil para uma banda ter que tocar de quatro formas diferentes para se adequar ao estilo de cada solista?

Se você não tiver um bom fundamento de blues fica bem difícil. Nós três temos uma boa base e experiência, assim facilita. É justamente a diferença de cada solista que deixa o trabalho interessante, pois tentamos dar pra cada um uma sonoridade diferente. O blues é uma música que tem elementos típicos, portanto tem que saber a fundo para poder variá-lo e não ficar repetitivo. É um grande desafio.

Vocês excursionaram com o Big Gilson e o cantor The Wolf pela Inglaterra. O que mais te marcou na viagem?

O Ugo não foi nessa turnê, o baixista foi o Pedro Leão. Poder tocar na Inglaterra, a terra dos Beatles, foi muito especial. A própria atmosfera cultural e musical é de arrepiar. Foram shows pequenos, mas a chance de me apresentar na Inglaterra foi única.

O Blues Etílicos está completando 20 anos. Qual o balanço que você faz da carreira da banda? Como você compara o Blues Etílicos de hoje com o do início?

Individualmente e como banda somos mais maduros. O blues é uma música na qual você precisa de vivência. É injusto falar que era melhor do que antes. As pessoas aprenderam a fazer blues nos anos 80 a partir da prática, aos poucos. Foram “obrigadas”. É natural que tenhamos cometido erros. Nós fomos aprendendo com o tempo. Naquela época não havia internet, não tinha como ter acesso à discografia de blues. Quando se conseguia um disco de blues, era ocasião pra se comemorar. Hoje em dia o volume de informação é muito maior. As bandas novas têm menos desculpas para tocar mal. Mas é como te falei, é um estilo musical no qual a maturação é fundamental. Dizem que o blues é a música mais fácil de tocar; mas também a mais fácil para errar (risos). O Blues Etílicos finalmente está preparada para tocar.

Você foi um dos primeiros no Brasil a tocar guitarra slide. Como se interessou por essa técnica?

Essa história é curiosa. Eu tinha primos exilados na época da ditadura. Eles conseguiam discos do Johnnie Winter, isso em 1973. Desde os meu 10 anos escutava e me dava vontade de tocar. Eu tinha facilidade pra tocar slide. No primeiro disco do Blues Etílicos eu não sabia tocar guitarra, mas sabia tocar slide! A guitarra slide tem afinações abertas, o que facilita. Eu consegui gravar um disco sem saber tocar guitarra. Foi estranho. Se eu fosse espírita falaria que na outra encarnação eu fui tocador de slide.

Você se sente realizado como músico, ou ainda tem alguma meta a ser alcançada?

Sempre acho que posso melhorar enquanto músico. Estou sempre olhando pra frente. Eu fico feliz de conseguir ter uma carreira com altos e baixos no Brasil, totalmente fora do mainstream. Sempre fiz um som fiel, com variações, ao meu desejo. Sinto-me bem, mas acho que o melhor sempre está por vir. Estou sempre aprendendo e acredito que amanhã estarei tocando melhor que hoje.

Comentários

  1. Bela entrevista. Na minha opinião um dos maiores guitarristas do Brasil, e não só de Blues ! Já tive o prazer de ver o Otávio em ação diversas vezes e ele me parece a cada dia melhor. No slide então, ele é imbatível.

    Abs,

    Sergio Duarte
    www.rockflu.com.br

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