Minha Coleção: Maurício Rigotto


Por Ricardo Seelig
Colecionador

Collector´s Room - Você me disse que coleciona discos desde os doze anos de idade. Como isso começou?

Maurício Rigotto - Creio que me tornei um colecionador de discos aos doze anos. Eu já tinha alguns LPs e, nessa idade, surgiu um hábito que se tornou uma compulsão: ir diariamente às lojas de discos para ver as capas, ler os encartes e, naturalmente, ouvir os discos nos headphones. A partir dali, todo dinheiro que caía na minha mão era investido em discos. Não lembro precisamente qual foi o primeiro, mas recordo que entre meus primeiros LPs estavam o "Led Zeppelin II"; Pink Floyd ("More", "The Wall" e "A Collection of Great Dance Songs"); Bob Dylan ("At Budokan", "Infidels" e "Greatest Hits"); Santana; Clash ("Combat Rock") e um compacto da Eletric Light Orchestra que eu ouvia muito na época.

Quantos discos você tem?

Imagino que em torno de dois mil LPs, dois mil CDs, duzentas fitas VHS e uns duzentos DVDs, mas nunca parei para contar, não tenho essa curiosidade. Os discos são para ser ouvidos e isso eu faço o tempo todo, não perderia um sábado contabilizando-os, contando-os um por um (... 801, 802, 803 ...). Se quisesse impressionar pela quantidade, seria fácil comprar centenas de LPs baratos em sebos, mas a qualidade deve sempre ser mais importante que a quantidade. Se puder aliar as duas coisas, perfeito.

A divisão de sua coleção entre vinis e CDs é mais ou menos proporcional, mas, mesmo assim, você tem uma preferência clara pelos LPs. Porque isso, Maurício?

Talvez tenha a ver com memória afetiva, pois quando comecei a comprar discos ainda não existia CD. Quando o CD surgiu, foi como se os LPs tivessem sido traídos, vendeu-se uma idéia que o som do CD seria superior, definição digital, eliminação de chiados, e as pessoas acreditaram e acabaram com o vinil. O CD só tem o som melhor que o vinil se comparado aos LPs de fabricação nacional, que sempre deixaram a desejar, mas se comparado ao vinil importado, de 180 gramas, o LP ganha disparado, pois todas as definições, tanto de graves ou agudos, são mais nítidas. Também acho que a arte gráfica perdeu muito, pois capas e encartes belíssimos em LP perderam todo o encanto em suas reproduções minúsculas para o CD. 

Por outro lado, o CD trouxe vantagens incontestáveis, como a praticidade para carregar e não ter que interromper seus afazeres para virar o disco. Outra vantagem é que acabaram as raridades, tudo foi relançado e é relativamente fácil encontrar ou importar títulos que estavam esgotados e fora de catálogo em vinil. Acho que a principal vantagem foi para os compradores de discos compulsivos, que cada vez que chegavam em casa com um novo LP eram recriminados pelos pais, pois, com o CD, é só coloca-lo sob o casaco que ninguém vê. 

De que artistas você possui mais material?

Tenho a coleção completa dos Rolling Stones em vinil, incluindo solos e coletâneas; todos dos Beatles, incluindo os solos de cada integrante; tudo do Led Zeppelin, The Who, Pink Floyd, Raul Seixas, Eric Clapton, Lou Reed, David Bowie, Bob Dylan e Neil Young, incluindo bootlegs e outros lançamentos não oficiais em LP e CD. Talvez Rolling Stones e Bob Dylan sejam os artistas que mais possuo material. 

O seu maior ídolo é Bob Dylan. Queria que você falasse o porque dessa admiração, e qual é, na sua opinião, a importância de Bob Dylan na história da música.

Bob Dylan é o Shakespeare do rock. É o compositor mais influente do século XX, influenciou praticamente todo o planeta e é um dos artistas mais regravados do mundo. Com suas letras de inteligência ímpar e uma lucidez sem precedentes, Bob Dylan deu ao rock o status de arte, tanto quanto um livro de Oscar Wilde ou um quadro de Van Gogh. Considero que o rock teve dois grandes gênios: Bob Dylan e Jimi Hendrix. Infelizmente esse último faleceu precocemente, praticamente um garoto. 

Além dos LPs e CDs, você também possui muitos livros sobre música. Você poderia nos falar um pouco sobre eles?

Além da música (e do cinema), minha outra paixão é a literatura. Desde garoto tenho o bom hábito da leitura, e possuo uma boa biblioteca, com diversas obras que vão dos escritores beatniks como Kerouac e Ginsberg a grandes nomes da literatura mundial, como Dostoiévksi, Hemingway, Huxley, Orwell, Sartre, Nietzsche e outros. Como sou um fã de rock que gosta de saber como as coisas aconteceram, um curioso no que tange às histórias dos bastidores, gosto de ler livros sobre rock e biografias sobre pessoas que admiro. Uma parte da estante de livros é dedicada aos compêndios sobre rock. Recomendo as recentes biografias de Bob Dylan, a ótima autobiografia de Eric Clapton e "Please Kill me" ("Mate-me Por Favor"), um delicioso livro sobre a história do punk. 

Qual o item mais raro da sua coleção?

Não sei, tenho alguns compactos raros, como os originais de "Jumping Jack Flash" e "Flowers" dos Stones, vários compactos dos Beatles, incluindo picture discs e uma edição japonesa que ganhei de presente. Em LPs, "Live at Star Club", "In Hamburg" e "Live at Hollywood Bowl" dos Beatles; o 1° LP dos Animals; um Elvis Presley original de 1957; o "A Nice Pair" do Pink Floyd; e uma caixa com os seis primeiros dos Stones (nunca vi outra igual a minha) são alguns que me ocorrem no momento.

Qual você bateu o olho, deixou pra pegar depois e, quando voltou, já tinham chegado antes?

Isso acontecia com frequência, pois nem sempre a grana era suficiente para comprar o que surgia pela frente. Às vezes optava por um disco e deixava outros para pegar depois, então alguém chegava antes e já era. Tem discos que se você não comprar no momento que encontrar, talvez nunca mais volte a achá-los. Lembro que certa vez, ainda nos anos oitenta, eu estava em um sebo quando chegou um cara vendendo todos do Ten Years After. Deixei para pegar no dia seguinte e quando fui buscá-los alguém já havia comprado. Tenho todos em CD, mas até hoje ainda faltam alguns em LP. 

De onde vem a melhor prensagem de vinil?

Acredito que são os ingleses e os norte-americanos. Também tenho algumas edições holandesas e alemãs que são fenomenais.


Já encontrou algum ídolo pessoalmente? Como foi?

Somente em shows. Sempre tentei adentrar em camarins e conhecer os caras, mas o máximo que consegui foi cumprimentar alguns rapidamente. Tive frente a frente com Bob Dylan em Porto Alegre, vi os Stones de perto em Buenos Aires, conheci Raul Seixas dois meses antes de sua morte, mas conversar mesmo só com o Supergrass, no Campari Rock Festival, onde batemos um bom papo e bebemos algumas cervejas juntos. Assisti shows de Dylan, Clapton (duas vezes), Stones (duas vezes), Robert Plant, Roger Waters, Deep Purple (três vezes), Doors, Aerosmith, Santana, Joe Cocker, Eric Burdon, Jethro Tull. O último foi o do Chuck Berry em junho de 2008, onde me emocionei profundamente vendo o pai do rock and roll na minha frente, tocando guitarra aos 81 anos.

Qual a maior loucura que você já cometeu pela sua coleção?

Nada demais. Na adolescência era muito compulsivo, gastava tudo que ganhava em discos, hoje sou mais comedido, pois tenho outros compromissos e nem sempre sobra grana. Acho que sempre vivi além do que meus proventos me permitiam. A maior loucura? Talvez algumas viagens à Porto Alegre, Curitiba e São Paulo para comprar discos, mas isso aos olhos dos outros, pois para mim loucura teria sido não ter feito essas viagens. Algumas vezes gastei até o dinheiro da passagem de volta em discos, tive que ir para o trevo pedir carona com os LPs embaixo do braço.

O que falta ainda conseguir para a sua coleção?

Muita coisa! Nossa, ainda não tenho quase nada. Isso que é legal em colecionar discos, é infinito, a coleção nunca estará completa, sempre terão itens faltando para tentarmos conseguir, senão perderia a graça.

Já perdeu o sono por não ter comprado algum item? Qual?

Muitas vezes. Lembro de alguns, como "Wheels of Fire" do Cream, "Hot Rats" do Frank Zappa, "Axis, Bold as Love" de Jimi Hendrix, "Pet Sounds" dos Beach Boys e "Music from Big Pink" da The Band. Demorei anos para encontrá-los novamente.

Como é ser um colecionador em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul (no caso, Passo Fundo), longe do principal centro musical do Brasil, que é São Paulo?

Agora nem lojas de discos existem mais aqui, comprar discos somente em viagens. Por outro lado, a internet se tornou o grande recurso de busca pelos álbuns, a gente acha preciosidades a preços acessíveis nesses sites tipo Mercado Livre. Hoje em dia baixo os lançamentos pela internet e o que mais me agradar eu vou atrás para conseguir o original. Quando vou à Porto Alegre sempre visito a Boca do Disco e a Stoned Discos, que inclusive ficam no mesmo quarteirão; e em São Paulo não deixo de visitar a Galeria do Rock, principalmente a Baratos Afins, do Calanca.

Qual foi a melhor loja de discos que você já conheceu?

Acho que é a Baratos Afins, mas nunca esqueço que em 1995 um amigo me levou em um sebo em Curitiba que eu fiquei deslumbrado, passei a tarde lá e o proprietário teve que me mandar embora na hora de fechar. Ouvi dizer que não existe mais.

Onde você compra seus discos?

Ultimamente nem tenho comprado, pois fui atingido pela crise financeira mundial, salvo alguma coisa pela internet e nessas lojas que citei, mas onde surgir um bom negócio estarei lá para conferir.

Maurício, quando eu o conheci você era vendedor de uma loja de discos. Como é para um colecionador ver todos aqueles plays na sua frente? Dá vontade de levar tudo pra casa?

Lógico, era difícil dominar o vício, frequentemente comprometia todo o meu salário e ainda ficava devendo para o mês seguinte, mas foi um período que deixou muita saudade, foi o emprego mais prazeroso que já tive, pena que se ganhava pouco. Imagine só, ser pago para ficar ouvindo discos durante o expediente, seus colegas de trabalho são os seus melhores amigos e todas as novidades chegavam primeiro em nossas mãos, e ainda ganhávamos um bom desconto. Fiz muitas amizades com clientes como você, aficionados por música que frequentemente passavam horas na loja trocando informações, e conservo essas amizades até hoje. Outra vantagem é que dificilmente entravam clientes chatos e mal humorados, como é frequente em outros ramos, pois se o sujeito não está alegre, de bem com a vida, não vai ter humor para ir a uma loja de discos procurar por música.


Nessa mesma loja, você era colega do Beto Bruno, que hoje é conhecido como o vocalista da Cachorro Grande, e do Jerônimo Bocudo, ex-Cachorro e atual Locomotores. Além disso, você é amigo dos dois até os dias atuais. Lembro que ambos, principalmente o Beto, também era um ávido colecionador de discos. O que você pode nos contar a respeito disso?

O Beto é um dos meus melhores amigos desde a infância, muito antes de trabalharmos juntos, temos uma relação que é de irmãos. Sem dúvida, é um dos irmãos que eu não tive, inclusive nos influenciamos muito em nossa formação musical. Uma referência fundamental quando eu era um garoto foi o pai do Beto, que é um ex-hippie que morou em Londres no final dos anos sessenta a trouxe milhares de discos de lá. Foi a primeira vez que eu vi alguém ter em casa a mesma quantidade de discos que eu via nas lojas, e imediatamente eu soube que era isso que eu queria para mim. Eu e o Beto passávamos as tardes ouvindo os discos do pai dele e se não fosse ele, muita coisa eu só iria conhecer com uma década de atraso, pois a maioria daqueles discos importados que ele possuía nós não teríamos acesso de outra forma. 

Tivemos nossa primeira banda juntos, e na época da loja de discos ele e o Jerônimo eram dos Malvados Azuis, morávamos praticamente todos juntos em uma casa onde a banda ensaiava, ou seja, acabava o expediente e continuávamos juntos, ouvindo discos, bebendo, entre outras coisas. 

Continuamos muito amigos, sempre que possível nos visitamos, inclusive passei o Natal e o Ano Novo com a família dele. Sou muito amigo de todos da Cachorro Grande e às vezes viajo com eles quando tem shows aqui pelo sul. O Jerônimo também é um grande amigo, além de ser um dos melhores contrabaixistas que já vi. Hoje ele toca nos Locomotores, juntamente com o Maurício Chaise, outro velho amigo que também tocava nos Malvados Azuis, e o Márcio Petracco, que era do TNT.

Uma das suas principais características, e que inclusive rendeu um texto seu para o Whiplash, é o fato de você curtir muito o rock clássico das décadas de sessenta e setenta, mas não conseguir curtir nada de heavy metal. Porque você acha que isso acontece?

Gosto pessoal, não tem outra explicação. Eu gosto de rock and roll e não de heavy metal. E não é bem assim, depende o ponto de vista. Tenho todos os discos do Deep Purple dos anos setenta, tenho os discos do Black Sabbath da época em que o Ozzy era o vocalista, discos do Uriap Heep. Quando comecei a comprar LPs era isso que chamavam de metal. Acho que o Metallica tem algumas coisas bem interessantes, embora ouça pouco, mas realmente não gosto dessas bandas como Megadeth, Helloween, Sepultura, mas não tenho nada contra, respeito os caras e acredito que são bons no que se propõem a fazer. Se não agradam o meu gosto pessoal, evidentemente não é culpa deles. 

Quanto ao texto que você se referiu, minhas palavras foram extremamente mal interpretadas, apenas expressei meu gosto, não quis com isso ofender, desrespeitar ou depreciar o trabalho ou o gosto de ninguém, mas recebi milhares de e-mails me xingando e pedindo a minha cabeça numa bandeja, até comunidade no Orkut criaram para prolifer o ódio e exigir a minha execução, mas são águas passadas.

Cara, já passei por isso inúmeras vezes também, e sei bem como é, mas não dá pra esquentar a cabeça. Defina a sua relação com a música em poucas palavras.

A música é a trilha sonora da minha existência, é uma arte que pode ser apreciada sem que se tenha de parar de fazer outras coisas. Posso ouvir música no trabalho, no carro, nas caminhadas, no banho, em quase todo lugar, então eu diria que a minha vida tem trilha sonora, e das boas.

O que faz com que nós, colecionadores, sejamos diferentes da grande maioria dos ouvintes de música?

A gente vive isso, não é algo secundário como para as pessoas que simplesmente ouvem música e compram um ou outro disco ocasionalmente. Gostamos de saber os detalhes, ler os encartes e saber que músicos participam de cada gravação, de acompanhar as trajetórias dos artistas, enfim, coisas que não despertam o interesse da maioria das pessoas. Outro diferencial é que somos seres compulsivos.

Na era do MP3, pessoas como nós, que ainda compram discos e se dedicam às suas coleções, são a exceção ou a salvação da indústria?

Acho que somos exceções, pessoas em extinção. Quando morrermos seremos empalhados e colocados em um museu com a inscrição “essa pessoa comprava discos”. Observo que hoje apenas caras como nós, que já passaram dos trinta anos, compram discos. Os mais jovens apenas baixam e trocam arquivos de MP3, o que realmente é muito mais prático e menos oneroso, mas a maioria não conhece as capas, não sabe em que disco tal música foi lançada originalmente, esses detalhes se perdem. 

A indústria fonográfica até merece esse revés que vem sofrendo. Culpam os pirateiros e os baixadores de músicas, mas esquecem que foi a própria indústria que incentivou essa prática com seus preços exorbitantes. Quando lançaram os CDs, as pessoas tiveram que recomprar suas coleções inteiras no novo formato. A indústria acabou com os compactos e colocou o CD custando o dobro do que se pagava pelo vinil, o que era injustificável, já que não precisavam gastar com estúdios de gravação, tudo já estava pronto, era só passar para digital. Foi muito lucrativo em curto prazo, mas agora estão pagando o preço pela ambição desenfreada, creio que estarão extintas em pouco tempo.

Pra fechar: se pudesse perguntar qualquer coisa para Bob Dylan, o que seria?

Agora você me pegou. O que perguntar para Bob Dylan? Nem consigo imaginar o que poderia ser. Poderia ser alguma pergunta filosófica ou existencial sobre a profundidade da letra de determinada canção, ou se ele prefere pizza calabresa ou mussarela ... Ele é avesso a entrevistas e sempre afirmou que tudo o que tinha para dizer está em seus discos. Provavelmente me responderia: “the answer, my friend, is blowin’ in the wind, the answer is blowin’ in the wind.”

Assista abaixo uma entrevista em que Maurício mostra a sua coleção:



Comentários

  1. Cadão, parabéns pela entrevista! Tá muito legal! Bela coleção a do Maurício! Valeu!

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  2. Essa entrevista com Maurício revela muito mais do que um colecionador aficcionado em música. Ao meu entender, revela que mesmo enfrentando os problemas de grana, da indústria fonográfica sacana, das alterações de mídia, quando a gente gosta de alguma coisa, e se sente feliz, vale até pegar carona no trevo! Uma coleção não é uma simples coleção, ainda mais sendo ela de música. É um estilo de vida. Parabéns Maurício pela dedicação em construir e prazer em curtir enormemente sua coleção e ao Cadão. Sucesso!

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  3. Excelente reportagem. Acertou em cheio quando falou que as próprias gravadoras cavaram sua cova quando lançaram CD´s a preços exorbitantes na década de 90. Talvez não impedissem a escalada dos MP3 (afinal de contas, o avanço da tecnologia é inevitável), mas com certeza o impacto seria bem menor do que foi.

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