A História do Rock - Parte I


Por Ugo Medeiros
Colecionador e Jornalista
Coluna Blues Rock

As Raízes

Falar sobre a formação deste estilo musical pode ser uma pretensão deste formando. Tentarei aqui mostrar, de forma simples e sucinta, como se deu a criação dessa nova música, dentro de um espaço altamente segregado. Como se sabe, o rock veio do blues, música dos escravos do final do século retrasado, portanto é necessário resgatarmos o seu histórico para entendermos a criação do rock.

Como já foi dito anteriormente, o blues veio da fusão das culturas africanas e européias.

(...) Para compreender como ele foi gerado, é preciso realizar uma longa viagem até a África Ocidental de séculos atrás. Foi dali, onde ficam atualmente países como Mali, Senegal, Gana, Congo e Gâmbia, que saiu a maior parte dos negros levados como escravos para os Estados Unidos (RIBEIRO, 2005, pág. 14). 

Era comum à cultura desses povos a prática de griots, forma de cantar semelhante ao grito, onde o homem cantava acompanhado de um instrumento de cordas arcaico. Era uma forma de glorificar seus mitos e a história de sua comunidade. Nas palavras de MUGGIATI (1973, pág. 8):

(...) o rock nasceu de um grito, o primeiro grito do escravo negro ao pisar em sua nova terra, a América. Esses berros de estranha entonação eram atividade expressiva comum entre os nativos da África Ocidental. O primeiro grito cortou os céus americanos como uma espécie de sonar, talvez a única maneira de fazer o reconhecimento do ambiente novo e hostil. 

Estes “gritos”, aos poucos, evoluiram às work songs: o canto coletivo durante o trabalho nas lavouras, sob o forte sol, sob e sobre a dura rotina nos campos de algodão, onde havia um líder que berrava uma frase, seguido de um coro do restante presente.

Adicionados a esta tradição africana, a Europa contribuiu com baladas, instrumentos (violão de origem espanhola e a gaita de origem alemã) e os
spirituals. Estes consistiam em cantos religiosos, onde os africanos eram evangelizados. 

Em algum momento, work songs e spirituals começaram a se intercambiar. Muitas canções de trabalho tinham letras religiosas e, por outro lado, vários spirituals eram entoados da mesma forma como se cantava nos campos de algodão (RIBEIRO, 2005, pág. 19). 

Assim, do casamento destas duas escolas, o blues nascia ao final do século retrasado, provavelmente no estado do Mississipi (devido a maior concentração de negros e músicas que descreviam a paisagem local).

No seu começo, o blues era cantado de forma coletiva sem acompanhamento de instrumento, apenas no coro (
spirituals e griots), como já foi dito. Porém, após a Guerra de Secessão e a consequente vitória do norte, os escravos foram libertados e uma pequena reforma agrária tentou reordenar a distribuição de terra, vigente até então. A estrutura agrária passou a se basear na agricultura familiar, no sistema de meagem, onde o proprietário branco explorava, ainda, grande parte dos agricultores negros. Assim, há uma importante mudança direta na forma de cantar o blues:

O fim das grandes plantações marcou, portanto, a substituição do trabalho coletivo dos escravos pela agricultura familiar. Consequentemente, as work songs entoadas em coro deram lugar ao canto individual. É assim que o blues iria surgir, como expressão de um indivíduo cantando e frequentemente acompanhando a si próprio ao violão (RIBEIRO, 2005, pág. 23).

Aos poucos, cantores como W.C. Handy (considerado o “pai do blues”), Charley Patton e seu aluno Robert Johnson (ambos ex-trabalhadores em lavouras do Mississipi ) passam a moldar esta nova música que representava a sofrida vida dos ex-escravos. O Delta Blues, ou blues rural, foi a forma mais primitiva de se cantar: uma voz rouca e potente e um violão acústico, tocado com força e recheado de
blue notes, que davam a tonalidade de tristeza. 

Assim, canções como “Hard Times Killing Floor” (“Tempos Difíceis que Destróem o Solo”), de Skip James, representavam as reivindicações e indignações do povo negro: “Tempos difíceis aqui e em todo lugar que você vai / Os tempos estão mais difíceis do que já foram antes / E as pessoas vão correndo de porta em porta / Não conseguem encontrar o paraíso, não importa onde elas vão”

Outras composições, como “Hard Times Blues” (“Blues de Tempos Difíceis”) de Josh White, falam do cruel mundo que lhes cerca: “Eu fui até o dono, no mercado / Todos estão com fome, por favor não feche a porta / Queremos mais comida, um pouco mais de tempo para pagar / O dono riu e foi embora”.

Com a incrementação do blues, criou-se o rhythm blues (R&B), a música própria dos negros. Em pouco tempo, em Nova Orleans, o R&B evoluíra ao jazz, que desde o final do século XIX levara prazer às vidas miseráveis daquela parte da sociedade. Porém, pelo caráter racista da classe média branca, apenas na década de 1920 o jazz ganharia status de música “apropriada”, devido a formação da Original Dixieland Jazz Band (ODJB), onde todos os músicos eram brancos. Paulatinamente, músicos brancos roubavam canções de artistas negros e levavam todo o crédito, fazendo com que muitos desistissem da música. Na tentativa de executar um som não-branco (pela falta de técnica), o be-bop e o free jazz passam a ser o estilo de jazz mais popular e de forma que conservasse as tradições das raízes negras.

O negro, que sempre estivera nas periferias, passava a ter novas formas de contestar a injusta sociedade. Bom exemplo era a inscrição na guitarra do bluesman Leadbelly The Borgeois (um dos primeiros a fazer excursão pela Europa, nos anos trinta): “
Esta máquina mata fascistas”.

Entre as décadas 1920 e 1930, o jazz e o blues já estavam consolidados como dois estilos de sucesso, mesmo que ainda dividindo espaço nas rádios com a música gospel. Aos poucos a indústria fonográfica passa a atender à demanda dos amantes dessas músicas, com a criação dos race records (discos raciais) ou gravadoras independentes (indies). Desta forma, com uma aparelhagem inferior quando comparada com as grandes marcas, produtores negros podiam divulgar os trabalhos de músicos que não estavam inseridos no mainstream da época, ainda que apenas nos bairros mais pobres começava-se a criar um fiel público.

As contribuições dos primeiros bluesmans e seus “primitivos” compactos, acima citados, foram de suma importância, pois levaram o estilo a lugares novos, como o Texas, Los Angeles e Chicago. Se na Califórnia o blues sofreu influência direta do jazz e formou o West Coast Blues, e no Texas ganha mais força, proveniente da música latina, em Chicago ganha um novo rumo. Entre os anos vinte e cinquenta há um intenso fluxo migratório rumo ao norte: as condições de vida eram melhores, menos racismo e havia condições decentes para os músicos trabalharem, já que o destino no sul era tocar em cabarés.

O norte, por ter uma tradição industrial, dá à música novos incrementos tecnológicos, como a eletrificação do violão. Pioneiros da guitarra elétrica, T-Bone Walker e Big Bill Broonzy puderam desenvolver a forma de cantar o blues, pois o vocalista poderia ser mais suave e concentrar-se nas letras. Com composições cada vez mais engajadas, os recém-chegados na cidade grande começavam a fazer sucesso mas, é claro, ainda nos bairros pobres. A partir da eletrificação do blues, o Chicago Blues, representado por músicos como Muddy Waters, Howlin’ Wolf e Little Walter, passou a ser o principal som nas comunidades periféricas dos Estados Unidos durante a primeira metade dos anos cinquenta.
 
Assim, o blues e o jazz estavam criados e relativamente difundidos pelo país, ao menos em comunidades pobres. Porém, o rock ainda não estava com todas as suas influências. Ao contrário do que muitos pensam, ele também sofreu influência direta do country & western.

Por volta de 1950 as indies exploram dois importantes mercados específicos: o R&B negro e as músicas dos brancos rurais, o country & western. É a conjunção explosiva destas duas correntes, formando o estilo chamado rock’n’roll, que irá subverter a partir de 1950 todos os esquemas das gravadoras, os hábitos de consumo musical e, num sentido mais profundo, a própria cultura norte-americana. O R&B traz aquela dimensão existencial que está faltando à canção comercial do branco (MUGGIATI, 1973, pág. 35).

Enquanto a música negra traz um sentimento moderno e de críticas sociais, a música do branco rural (pobre) dá um teor de simplicidade. A partir do crescimento da televisão na rotina das famílias americanas, a vida dos cowboys passa a ser dividida através dos clássicos filmes de
bang-bang. A música sincera e melancólica era justamente o último ingrediente que faltava adicionar para a criação do explosivo rock’n’roll.


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