Castiga!: a obrigatória estreia solo de Jack Bruce


Por Marco Antonio Gonçalves
Colecionador

Cantor de timbre vocal marcante, compositor de capacidade única e, acima de tudo, um dos maiores baixistas surgidos na face da Terra. Se você pensou em Jack Bruce, acertou em cheio. Um músico carregado de atributos que virou lenda não só pela sua passagem por combos sensacionais como Graham Bond Organization, Manfred Mann, John Mayall & The Bluesbreakers e West, Bruce & Laing, entre outros, mas evidentemente por ser parte do maior power trio inglês da história do rock, o Cream.

Ao longo de seus 66 anos de idade e com uma carreira solo bem desenvolvida, Jack Bruce ostenta uma discografia com pelo menos duas dezenas de álbuns individuais. Alguns deles são obrigatórios, como é o caso deste Songs for a Tailor, sua estreia solo. Lançado pela Polydor Records em 1969, é um disco que pode causar certa estranheza nas primeiras audições, muito por conta da sonoridade dissonante e da alternância de compassos de algumas canções, mas que com o tempo vai sendo melhor absorvido.


Bruce se sente em casa, extraindo timbres e linhas melódicas brilhantes de seu baixo elétrico Gibson EB3. Sua voz distinta passeia por arranjos sinuosos, devidamente incrementados com sua destreza ao piano, órgão, violões e violoncelos. Nas composições, a parceria dos tempos de Cream permanece intacta, com o virtuoso baixista elaborando os arranjos e o poeta e músico Pete Brown escrevendo as letras.

Produzido pelo infalível Felix Pappalardi (que já havia trabalhado com o Cream no clássico
Disraeli Gears, em 1967), mostra a busca incessante de Bruce por novas sonoridades. Para tanto, foram convocados o baterista Jon Hiseman e o saxofonista Dick Heckstall-Smith (membros da banda britânica de jazz-rock Colosseum), além do guitarrista Chris Spedding. Entre outras participações, a mais curiosa é a de L’Angelo Misterioso (alguém já ouviu falar em George Harrison?) na faixa de abertura, a intensa “Never Tell Your Mother She’s Out of Tune”. Nesta música e em outras duas (“The Ministry of Bag” e “Boston Ball Game, 1967”), os arranjos ganham corpo com as presenças de Harry Beckett e Henry Lather nos trompetes e Art Themen no saxofone.

Tudo funciona muito bem em “Tickets to Water Falls”: vocal, linhas de baixo, fraseados de piano e guitarra fascinantes, criando uma maravilhosa concepção harmônica. Outro ponto alto é “To Isengard”: começa calma, com vocal suave de Bruce e guitarras acústicas. Na metade da música, o vocal torna-se rude, dando início a um duelo entre o baixo de Bruce e a guitarra de Spedding. Com pouco mais de cinco minutos, é a faixa mais longa do disco e traz Pappalardi dando uma forcinha nos vocais e na guitarra rítmica.


Maravilhosa também é “Rope Ladder to the Moon”, onde o ambiente sonoro é construído em torno de uma instrumentação acústica, com Bruce tocando quase todos os instrumentos (vocal, violoncelo, guitarra, piano e baixo), assessorado por John Marshall na bateria e Felix Pappalardi na percussão e nos vocais de apoio. Mas o destaque vai mesmo para a clássica “Theme for an Imaginary Western”, regravada pelo Mountain e pelo Colosseum no ano seguinte e aqui conduzida com toque de classe pelo trio Bruce/Spedding/Hiseman. Sem comentários.

Em 2003 a Polydor soltou uma versão remasterizada de
Songs for a Tailor contendo quatro faixas bônus; duas versões alternativas para “Ministry of Bag” e mais duas para as energéticas “Weird of Hermiston” e “The Clearout”. Vale cada centavo investido.

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